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Direitos Humanos| 27/02/2012 | Copyleft
Prisão de repressor argentino pode abastecer Comissão da Verdade
Os organismos de segurança brasileiros desconheciam a vinculação de Claudio Vallejos com a prática de crimes contra a humanidade. Nos anos 80 havia reconhecido ter assassinado e torturado, assim como ter participado com Alfredo Astiz do assassinato do pianista Francisco Tenório Cerqueira Junior. “Essa confissão, de 26 anos atrás, agora pode ter toda a atualidade do mundo e pode ser tratada na Comissão da Verdade. Temos na prisão o repressor que conhece e também parece que participou na desaparição de um cidadão brasileiro em Buenos Aires”, diz Rose Nogueira, do grupo Tortura Nunca Mais. A reportagem é de Darío Pignotti, do Página/12.
Darío Pignotti - Página/12
Brasília - O diretor do presídio brasileiro de Xanxerê ignorava o que tinha nas mãos: “O argentino Claudio Vallejos está aqui, desde o dia 4 de janeiro, por estelionato. Não sabemos quase nada do que fez quando era repressor, como você diz que foi. Ficamos sabendo agora”. “Vallejos atuou na repressão durante a ditadura argentina que matou brasileiros, uruguaios, chilenos, italianos...”, explicamos ao agente penitenciário Luis Brandielli, que não saía de seu assombro: “É serio? Este homem esteve envolvido em tudo isso? Você poderia mandar alguma matéria sobre ele?”.
Este diálogo telefônico, ocorrido às 7h40min de sexta-feira, não deixa de ser revelador da desinformação que abunda nos organismos de segurança brasileiros em relação aos ex-agentes envolvidos em violações aos direitos humanos e ilustra bem a trajetória de Vallejos. Há três décadas o antigo membro da ESMA encontrou cômodo refúgio no Brasil, repetindo o itinerário de outros repressores desocupados que saltaram do terrorismo de Estado à delinquência comum.
A notícia sobre a prisão de Vallejos pôs em alerta a embaixada argentina em Brasília, que às 8h30min de sexta-feira já havia feito contato com os funcionários credenciados no sul para qualificar o preso alojado no interior do estado de Santa Catarina. “Ou trabalhamos rápido ou este senhor escapa porque seu advogado pode pedir a liberdade condicional a qualquer momento. É muito fácil de conseguir para um acusado de estelionato”, comenta uma fonte diplomática em troca de anonimato.
O Gordo Vallejos, pseudônimo bem dado a julgar pelo que descrevem as fotos de seu prontuário policial, já havia sido preso na cadeia estadual de Xanxerê pelo menos uma vez, por estelionato, e foi expulso do Brasil de onde, segundo fontes de organizações de direitos humanos, tem um filho. Em 1986, talvez se sentindo seguro pela impunidade que garantiam as eminentes leis argentinas de Obediência Devida e Ponto Final, o fugitivo se vangloriou da imprensa brasileira de ter matado 30 prisioneiros, torturado outros tantos e – aqui o mais importante – narrou como Alfredo Astiz assassinou o pianista de Vinicius de Moraes em março de 1976, em um dos primeiros crimes posteriores ao golpe de 24 de março.
“Essa confissão, de 26 anos atrás, agora pode ter toda a atualidade do mundo e pode ser tratada na Comissão da Verdade que a presidenta Dilma (Rousseff) criou. Temos na prisão o repressor que conhece e também parece que participou na desaparição de um cidadão brasileiro em Buenos Aires”, sustenta Rose Nogueira, do grupo Tortura Nunca Mais.
– O que disse pode lhe trazer consequências políticas, mas não jurídicas, porque no Brasil rege a anistia à ditadura.
– Permita-me corrigi-lo: a lei de anistia, ou se prefere de auto anistia, que lamentavelmente está em vigor, não pode anular delitos permanentes como o desaparecimento. Se nós podemos demonstrar na Comissão da Verdade, perante promotores que queremos que compareçam nas audiências, que Vallejos está incurso em um desaparecimento, acreditamos que poderia ser julgado. Digo isso porque já há uma decisão do Supremo reconhecendo que esse crime não prescreve. Obviamente haverá uma polêmica com os defensores da anistia.
A afirmação de Rose Nogueira, ex-companheira de cela da presidenta Rousseff nos anos 70, antecipa que os organismos de direitos humanos não cruzarão os braços ante o repressor, se é que ele permanecerá no Brasil. Tanto por sua proximidade com a desaparição do músico Tenório Cerqueira como por seu exílio no Brasil desde os primeiros anos da transição democrática, Vallejos pertence à cria da Operação Condor Brasil-Argentina, um dos capítulos menos conhecidos da década infame sul americana.
Qualquer promotor curioso, brasileiro ou argentino, poderia confrontar Vallejos com as revistas (que nos foram cedidas pelo Movimento Justiça e Direitos Humanos) nas quais, há 26 anos demonstrou estar muito bem informado sobre a presença, no Brasil, de repressores argentinos e até de crianças arrebatadas de seus pais em cativeiro. Está documentado que, nos anos 80, a Operação Condor providenciou abrigo aos seus homens em retirada ante a “ameaça” democrática.
Os chilenos, com apoio do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, criaram a conhecida “confraria” em Assunção, e contaram com o apoio do Serviço de Inteligência de Defesa uruguaio, em 1992, para tirar de Santiago o incômodo bioquímico do DINA, Eugenio Berríos, pouco tempo depois assassinado em uma praia oriental.
Claudio Vallejos talvez possa lançar luz sobre a estrutura que facilitou os movimentos no Brasil do repressor Guillermo Suárez Mason, que repartia seu tempo entre movimentos desestabilizadores contra Raúl Alfonsín e encontros em São Paulo com Licio Gelli, da Loja Maçônica P2, de notória vinculação com as ditaduras dos anos setenta.
Tradução: Libório Júnior
Este diálogo telefônico, ocorrido às 7h40min de sexta-feira, não deixa de ser revelador da desinformação que abunda nos organismos de segurança brasileiros em relação aos ex-agentes envolvidos em violações aos direitos humanos e ilustra bem a trajetória de Vallejos. Há três décadas o antigo membro da ESMA encontrou cômodo refúgio no Brasil, repetindo o itinerário de outros repressores desocupados que saltaram do terrorismo de Estado à delinquência comum.
A notícia sobre a prisão de Vallejos pôs em alerta a embaixada argentina em Brasília, que às 8h30min de sexta-feira já havia feito contato com os funcionários credenciados no sul para qualificar o preso alojado no interior do estado de Santa Catarina. “Ou trabalhamos rápido ou este senhor escapa porque seu advogado pode pedir a liberdade condicional a qualquer momento. É muito fácil de conseguir para um acusado de estelionato”, comenta uma fonte diplomática em troca de anonimato.
O Gordo Vallejos, pseudônimo bem dado a julgar pelo que descrevem as fotos de seu prontuário policial, já havia sido preso na cadeia estadual de Xanxerê pelo menos uma vez, por estelionato, e foi expulso do Brasil de onde, segundo fontes de organizações de direitos humanos, tem um filho. Em 1986, talvez se sentindo seguro pela impunidade que garantiam as eminentes leis argentinas de Obediência Devida e Ponto Final, o fugitivo se vangloriou da imprensa brasileira de ter matado 30 prisioneiros, torturado outros tantos e – aqui o mais importante – narrou como Alfredo Astiz assassinou o pianista de Vinicius de Moraes em março de 1976, em um dos primeiros crimes posteriores ao golpe de 24 de março.
“Essa confissão, de 26 anos atrás, agora pode ter toda a atualidade do mundo e pode ser tratada na Comissão da Verdade que a presidenta Dilma (Rousseff) criou. Temos na prisão o repressor que conhece e também parece que participou na desaparição de um cidadão brasileiro em Buenos Aires”, sustenta Rose Nogueira, do grupo Tortura Nunca Mais.
– O que disse pode lhe trazer consequências políticas, mas não jurídicas, porque no Brasil rege a anistia à ditadura.
– Permita-me corrigi-lo: a lei de anistia, ou se prefere de auto anistia, que lamentavelmente está em vigor, não pode anular delitos permanentes como o desaparecimento. Se nós podemos demonstrar na Comissão da Verdade, perante promotores que queremos que compareçam nas audiências, que Vallejos está incurso em um desaparecimento, acreditamos que poderia ser julgado. Digo isso porque já há uma decisão do Supremo reconhecendo que esse crime não prescreve. Obviamente haverá uma polêmica com os defensores da anistia.
A afirmação de Rose Nogueira, ex-companheira de cela da presidenta Rousseff nos anos 70, antecipa que os organismos de direitos humanos não cruzarão os braços ante o repressor, se é que ele permanecerá no Brasil. Tanto por sua proximidade com a desaparição do músico Tenório Cerqueira como por seu exílio no Brasil desde os primeiros anos da transição democrática, Vallejos pertence à cria da Operação Condor Brasil-Argentina, um dos capítulos menos conhecidos da década infame sul americana.
Qualquer promotor curioso, brasileiro ou argentino, poderia confrontar Vallejos com as revistas (que nos foram cedidas pelo Movimento Justiça e Direitos Humanos) nas quais, há 26 anos demonstrou estar muito bem informado sobre a presença, no Brasil, de repressores argentinos e até de crianças arrebatadas de seus pais em cativeiro. Está documentado que, nos anos 80, a Operação Condor providenciou abrigo aos seus homens em retirada ante a “ameaça” democrática.
Os chilenos, com apoio do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, criaram a conhecida “confraria” em Assunção, e contaram com o apoio do Serviço de Inteligência de Defesa uruguaio, em 1992, para tirar de Santiago o incômodo bioquímico do DINA, Eugenio Berríos, pouco tempo depois assassinado em uma praia oriental.
Claudio Vallejos talvez possa lançar luz sobre a estrutura que facilitou os movimentos no Brasil do repressor Guillermo Suárez Mason, que repartia seu tempo entre movimentos desestabilizadores contra Raúl Alfonsín e encontros em São Paulo com Licio Gelli, da Loja Maçônica P2, de notória vinculação com as ditaduras dos anos setenta.
Tradução: Libório Júnior
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