terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Um muro para dividir a América

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Um muro para dividir a América

160124-Muro
Dois pré-candidatos do Partido Republicano à Casa Branca querem separar seu país do México e de toda América Latina. Por que a ideia, mais que xenófoba, é uma encenação?
Por Camila Balthazar, no Calle2
Uma pequena multidão enfileirou-se em frente ao Flynn Center, em Burlington, a maior cidade do estado americano de Vermont, mesmo com pouco mais de 40 mil habitantes. Nesse dia gelado do inverno no hemisfério norte, 7 de janeiro de 2016, apoiadores e manifestantes disputavam um lugar entre os 1,4 mil assentos na plateia que assistiria ao discurso do pré-candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, de 69 anos.
Às 19h30, quando o empresário de ambições políticas subiu ao palco, com seu terno bem cortado, gravata vermelha – que vez ou outra se reveza com uma versão azul –, e sua vasta cabeleira loura esbranquiçada, os aplausos vieram apenas de apoiadores. Votantes indecisos ou manifestantes foram devidamente impedidos de entrar, segurando cartazes do lado de fora com dizeres como “Deporte Trump!” e “Não se entregue ao medo racista. Refugiados são bem-vindos aqui”.
Do lado de dentro, Donald Trump, conhecido por ser o apresentador da versão estadunidense do reality show “O Aprendiz”, tranquilizava os ouvintes ao repetir sua declaração controversa e um tanto xenófoba. “Não se preocupem. Nós vamos construir o muro”, disse o pré-candidato, seguido por mais aplausos e gritos eufóricos. Ao perceber a animação da plateia, ele prosseguiu: “Esperem um minuto…. E quem vai pagar pelo muro?”, questionou, ouvindo um uníssono “México!” como resposta. Claro que o presidente mexicano Enrique Peña Nieto já se manifestou, dizendo que a afirmação reflete a ignorância, a irresponsabilidade e o desconhecimento de Trump sobre a realidade.
Uma das principais frentes da campanha do bilionário do setor imobiliário, cujo slogan é “Make America Great Again” (algo como “Faça a América grande de novo”), é construir um muro que divide a fronteira sul do país com o México. O assunto não tem nada de inédito. Memórias afiadas devem se lembrar dos anos de 2006 e 2007 e do governo de George W. Bush, quando o então presidente assinou um decreto que autorizava a construção de 1,1 mil quilômetros de proteção ao longo da fronteira de 3,1 mil quilômetros.
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Donald Trump, favorito para disputar a Casa Branca pelo Partido Republicano: uma barreira de 11 mil quilômetros com “um grande portal” no meio
Cercas de concreto foram erguidas, câmaras de vigilância e sensores que detectam calor foram instalados. Emigrantes criaram novas rotas, cavaram novos túneis. O relatório para o ano fiscal de 2016 do U.S. Department of Homeland Security, que protege o território de ataques terroristas e age em caso desastres naturais, prevê um gasto de US$ 3,7 bilhões para manter 21 mil agentes na fronteira e US$ 3,2 bilhões para os 23 mil inspetores nos portos. A região é uma das mais vigiadas do mundo, se considerarmos que se trata de dois países que vivem oficialmente em paz, sem guerras.
Agora Trump pretende fechar qualquer fresta de entrada, preenchendo a fronteira de leste a oeste. No meio dessa obra faraônica, uma imponente porta seria construída para receber “os mexicanos do bem”. “Será um muro com uma porta linda e grandiosa porque queremos que os imigrantes legalizados voltem para o nosso país”, afirmou o pré-candidato. Seu projeto também inclui a deportação dos 11 milhões de ilegais que atualmente moram e trabalham nos Estados Unidos.
Concorrendo à vaga do Partido Republicano com outros 11 candidatos, o nova-iorquino lidera as pesquisas mais recentes e parece ter uma chance real de disputar a corrida pela Casa Branca. De acordo com a CNN, Trump aparecia com 39% das intenções de votos no final de dezembro de 2015, seguido de Ted Cruz (18%), Ben Carso (10%) e Marco Rubio (10%). Seu principal oponente, o senador do Texas, Ted Cruz, também prega a construção do muro e a deportação dos ilegais. Na campanha do segundo colocado, nem os “bonzinhos” terão a chance de voltar. A revelação do candidato oficial do partido só será feita na convenção de Cleveland, marcada para a terceira semana de julho de 2016.
Criança mexicana se encontra com norte-americana na divisa de Tijuana com San Diego
O professor mexicano Javier Urbano Reyes, formado em Relações Internacionais pela Universidade Autônoma do México, não tem dúvidas de que a história do muro não passa de um grande teatro entre os dois países. Durante uma entrevista em seu escritório na Cidade do México, o especialista em temas de cooperação internacional e migração destacou que o problema migratório é mais complexo do que se imagina.
“Pense: são 11 milhões de ‘indocumentados’, recebendo a metade ou menos de um salário regular pago nos Estados Unidos. Se você calcula por hora, há uma economia de muito dinheiro por dia, por trabalhador. Multiplique esse número por 11 milhões. A isso se chama subsídio econômico. Os Estados Unidos são subsidiados por essa mão-de-obra barata. Já no caso do México, recebemos mais de 24 bilhões de dólares por ano em remessas – dinheiro que só perde para o petróleo e o turismo. Se há uma regularização, os trabalhadores deixarão de enviar dinheiro ao México”, observa.
Com três livros publicados sobre o assunto e experiência com pesquisas de campo na fronteira norte do México, Javier aponta que o imigrante sem documentos e desprotegido da lei é conveniente para os dois países. “México e Estados Unidos brincam com um discurso. Eu finjo que me indigno e fico brabo porque violam os direitos dos emigrantes mexicanos e eles, EUA, fingem que colocam barreiras. O discurso do muro é uma mensagem para eleitores republicanos. Se houvesse interesse em modificar o fenômeno, já teriam feito há muito tempo. A grande potência mundial não pode parar a imigração? Claro que pode”.
A história humana guarda outros muros passados e presentes. Chineses, alemães, israelenses e tantos outros povos do Oriente Médio e do Norte da África, que se protegem com barreiras físicas de inimigos, imigrantes e terroristas. Para o professor Javier, nenhum deles se compara ao que acontece na fronteira sul dos Estados Unidos.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Globalização e desigualdades

carta maior
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Globalizacao-e-desigualdades/7/35360

Globalização e desigualdades

Uma sociedade democrática deve efetivamente se preocupar com o destino dos indivíduos mais fragilizados.


Rodrigo Medeiros
Jacarta. Foto: Wikipedia
A mais recente divulgação internacional de números que demonstram uma escandalosa escala de concentração de renda e riqueza nas mãos de poucas pessoas merece maiores considerações entre nós. Desde a grande repercussão global da publicação do trabalho de Thomas Piketty, em 2013, o debate sobre as desigualdades socioeconômicas disfuncionais entrou em outro patamar. Paul Krugman, por sua vez, sugeriu bem antes que “qualquer ideologia cuja principal prescrição consista em reduzir os tributos incidentes para os ricos provavelmente desfrutará de sobrevida prolongada” (em “Globalização e globobagens”. Campus, 1999). Vejamos então alguns poucos aspectos gerais dessa discussão.
 
A fórmula que busca resumir as instigantes reflexões de Piketty é a seguinte: r > g (r é o retorno médio do capital; g é o crescimento da economia). Quando essa diferença é grande por muito tempo, as desigualdades podem ser consideradas como disfuncionais do ponto de vista social. Como os mais ricos têm uma maior propensão a poupar, já se mostrou algo muito comum “a retirada” de recursos financeiros da economia produtiva para o exercício da preferência pela liquidez por uma parcela minoritária da sociedade. Um excesso de poupança (“savings glut”) da parte de poucos indivíduos, quando a concentração da renda é bastante elevada, pode jogar a economia em uma recessão prolongada. Até pesquisadores do Fundo Monetário Internacional, Jonathan D. Ostry e Andrew Berg (em “iMFdirect”, 26/02/2014), por exemplo, apontaram para o fato de que desigualdades excessivas podem minar o crescimento em um país.
 
Uma matéria sobre a grave crise na Eurolândia publicada no “Valor Econômico” (22/12/2015), assinada por James Politi, merece consideração. Conforme consta no texto, “o premiê da Itália, Matteo Renzi, advertiu que as políticas de austeridade da zona do euro impulsionadas pela Alemanha estão alimentando o populismo. Segundo ele, isso levará à paralisia política e a reveses eleitorais em toda a União Europeia (UE) para os governos atualmente no poder”. Renzi afirmou ainda que “a Europa tem de atender a todos os 28 países, e não a apenas um". Para o italiano, é possível derrotar a perspectiva do populismo com crescimento e empregos, ou seja, apostando em uma nova Europa social.
 
Antes de se pensar em traçar o rápido paralelo com as disputas políticas no Brasil, é importante avaliar a lógica da ascensão global da direita conservadora nos últimos 35 anos. Em “Vendendo prosperidade” (Campus, 1997), Krugman propõe algumas reflexões sobre o ciclo conservador. Segundo Krugman, “os supply-siders ficam furiosos com o que consideram como a afirmação simplista de que a Reaganomania significou cortes de impostos para os ricos, aumentos de impostos para a classe média e castigo para os pobres”. Ainda de acordo com Krugman, o “The Wall Street Journal” passou grande parte da década de 1980 em campanha pelo retorno do padrão ouro. O projeto hegemônico do euro criticado atualmente pelo primeiro-ministro italiano reproduz a rigidez do padrão ouro, chamado de “relíquia bárbara” por Keynes (1883-1946). Para ele, em 1923, o padrão ouro sacrificava o pleno emprego e a estabilidade de preços em prol da estabilidade da taxa de câmbio.


 
O Brasil, que possui uma carga tributária regressiva e, portanto, muito injusta do ponto de vista social, veio concedendo desde a sua redemocratização vários benefícios fiscais para o capital que não são transparentes. Pessoas físicas também se beneficiaram de desonerações fiscais entre nós. Em artigo na “Folha de S.Paulo” (31/12/2015), Marcos Villas-Bôas expõe uma jabuticaba brasileira. Segundo o pesquisador, “os melhores trabalhos de política tributária do mundo nem falam em isentar os dividendos. O Reino Unido, a França, os nórdicos, a Austrália e outros países nem discutem isentar os dividendos. Procura-se a melhor forma de tributá-los, ainda que signifique aplicar uma alíquota baixa ou dar um crédito correspondente ao imposto pago na pessoa jurídica”. Para Villas-Bôas, a isenção fiscal de dividendos das pessoas físicas gera graves distorções em uma sociedade – “fraudes” para reduzir os gastos trabalhistas dos empregadores, menor carga de imposto para quem tem mais renda e aumento de outros tributos para compensar a perda de arrecadação. As argumentações dos economistas do lado da oferta (supply-side) não são neutras.
 
O artigo de Villas-Bôas aponta que os estudos que adotaram como base a redução da tributação dos dividendos em 2003 nos EUA revelaram uma baixa influência nos investimentos. Um dos seus efeitos foi a elevação dos preços das ações. Como muitas firmas investem através de lucros retidos, com uma maior distribuição dos dividendos ocorreu uma menor retenção na empresa. Portanto, o excedente não foi utilizado para elevar o investimento produtivo e o bem-estar na sociedade. Para o caso brasileiro, onde estaria mesmo a prova de que isentar dividendos foi algo positivo? Os números do IBGE citados por Villas-Bôas mostram que a taxa de investimento foi de 20,5% do PIB em 1995, passando posteriormente para 18,6% em 1996, 19,1% em 1997, 18,5% em 1998 e 17% em 1999. Segundo estimativas que variam de acordo com a aplicação da alíquota, a tributação sobre dividendos poderia contribuir com aproximadamente R$ 50 bilhões no presente para o ajuste fiscal. Conforme ponderou Piketty, o Brasil “deveria investir em uma reforma tributária, já que seu sistema de taxação não é progressivo o bastante de acordo com padrões internacionais. Enquanto a classe média fica sobrecarregada com impostos, as taxas sobre os ricos são muito baixas. E isso tudo é importante para aumentar a velocidade do crescimento do PIB no futuro” (“O Globo”, 27/11/2014).  
 
O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), por sua vez, afirma que a sonegação fiscal anual é da ordem de 10% do PIB no Brasil (“Valor Econômico”, 18/11/2015). Segundo avaliou o seu presidente, Achilles, Frias, “é o grande sonegador que mais afeta e economia e que provavelmente também figura na lista dos devedores contumazes. É comum que o sonegador de grande porte esteja de alguma forma ligado à evasão de divisas, lavagem de dinheiro e corrupção". Afinal, qual seria a real utilidade ou o sentido prático dos paraísos fiscais no mundo?
 
Em um contexto brasileiro de ajustes contracionistas, o “Boletim Macro” (Ibre/FGV, nov./2015) indica que “o resultado nominal acumulado de janeiro a setembro foi deficitário em 9,7% do PIB, dos quais 9,51% do PIB correspondem à conta de juros nominais e apenas 0,2% ao déficit primário". O choque inflacionário em 2015 não foi de demanda. A economia brasileira demanda ajustes, reformas institucionais progressistas e alguns “choques de gestões”. Com uma carga tributária bem regressiva e elevada sonegação fiscal, os mais pobres estão pagando uma amarga conta (a desvalorização cambial e os repasses inflacionários, o desemprego e os reajustes nos preços administrados). Os ajustes poderiam ser progressivos, redistribuindo, por exemplo, o peso da carga tributária para aliviar os mais pobres e ainda buscando promover novas políticas públicas capazes de articular o desenvolvimento de pequenas e médias empresas de base tecnológica.
 
Em “O destino vem do berço?” (Papirus, 2014), de Camille Peugny, há três lições básicas que podem ser extraídas para as mais diversas sociedades. A primeira lição diz respeito ao fato de que é insuficiente melhorar a escolarização para avançar na igualdade de oportunidades. O segundo ensinamento aponta para a necessidade de investimentos públicos nos primeiros anos de escolarização, aliviando o peso da origem social. Por último, a terceira lição versa sobre o papel das políticas públicas. Indo um pouco além dos aspectos quantitativos da reprodução (e intensificação) das desigualdades, os resultados das políticas acabam dependendo da coesão social em um país. Em um contexto de mérito desigual, que vem do acaso do nascimento, há muitas desvantagens para as classes populares. Peugny sinaliza para a necessidade de se buscar multiplicar, através de políticas públicas progressistas, os momentos de igualdade ao longo da vida dos indivíduos. Uma sociedade democrática deve efetivamente se preocupar com o destino dos indivíduos mais fragilizados, pois o determinismo do nascimento conspira para derrubar a confiança social nas instituições.
 
 
Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

Pare de sofrer: os segredos da Igreja Universal no Chile

a pública
http://apublica.org/2016/01/pare-de-sofrer-os-segredos-da-igreja-universal-no-chile/



Pare de sofrer: os segredos da Igreja Universal no Chile

Por Rodrigo Soberanes 
Em 13 de dezembro terminou a campanha de arrecadação de recursos que a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) faz entre seus fiéis com a promessa de que, se fizerem sacrifícios, superarão a miséria e multiplicarão seus bens. Nesse dia, o bispo Couto viajou para a Fogueira Santa, em Israel, com os pedidos dos doadores. O fundador da Iurd, Edir Macedo, um dos homens mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes, construiu um império milionário no Brasil
Na tela gigante, uma mulher brasileira conta que vendeu todos os móveis de sua casa. Como a quantia que obteve não era suficiente, recolheu latas de alumínio nas ruas para juntar US$ 3 mil e entregá-los em “sacrifício” a Deus. Quando chega ao fim o testemunho em forma de vídeo, as luzes do templo acendem e iluminam os rostos de cerca de 400 pessoas dispostas a buscar o próprio milagre.
Foto: Demétrio Koch
O bispo Edir Macedo durante a inauguração do Templo de Salomão, em São Paulo (Foto: Demétrio Koch)
É 22 de novembro em Santiago, domingo, o dia mais importante das celebrações da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), mais conhecida como Pare de Sufrir, o nome de seu famoso programa de televisão. Do lado de fora do templo, na rua Nataniel Cox nº 59, ao lado da grande bandeira chilena da Plaza de la Ciudadania, no centro da capital chilena, o domingo transcorre calmamente. Do lado de dentro, explode a euforia coletiva de quem esperou uma semana inteira para escutar o bispo brasileiro Francisco Couto explicar seus métodos para alcançar Deus – e os muitos milagres que Ele pode realizar por pessoas que enfrentam problemas financeiros ou de outra sorte.
A Iurd – cujo fundador, Edir Macedo Bezerra, 70 anos, multimilionário, foi acusado e absolvido por lavagem de dinheiro no Brasil – está em plena expansão no Chile, com o investimento de mais de US$ 6 milhões na construção de sua nova catedral e a compra de mais espaços na televisão e no rádio.
Em questão de dias, este teatro de fachada descolorida, localizado no primeiro andar de um edifício na rua Nataniel Cox, será coisa do passado para a Iurd. O piso pegajoso e as poltronas de madeira serão substituídos, em cerca de dois meses, por um templo moderno, com capacidade para mais de 2 mil pessoas. A Iurd está também em busca de aumentar o alcance de seu programa Pare de Sufrir, transmitido atualmente pelo Telecanal. Recentemente, tentaram, sem sucesso, comprar um espaço no canal Televisión Nacional. Segundo fontes da rede estatal consultadas pelo Ciper, a venda de programas publicitários não se ajusta às políticas do canal.

Máquina de dinheiro

O maquinário para obter recursos trabalha rapidamente. Veja-se a chamada “Campanha de Israel”, de dezembro, na qual pedem aos fiéis que “voluntariamente” façam o “sacrifício de suas vidas” em troca do milagre que se traduzirá em dinheiro. Um sacrifício em que se incita os fiéis a vender tudo o que têm para entregar o dinheiro à igreja. Sem contar a ninguém, porque é um trato entre “você e Deus”.
A fórmula faz parte da chamada teologia da prosperidade e consiste, conforme observou o Ciper, em oferecer bem-estar econômico a troco de sacrifícios a Deus, também mensurados em dinheiro. A estratégia funciona tão bem que a Iurd está presente em 200 países. Edir Macedo aparece desde 2013 na lista da revista Forbes como dono de uma fortuna de US$ 1,1 bilhão e é considerado pela publicação como um dos líderes religiosos mais ricos do mundo.
Desde sua fundação no Brasil, em 1997, a Iurd construiu seu sucesso em meio a polêmicas alimentadas por episódios como o que presenciamos no domingo 22 de novembro, em que pessoas em situações de extrema precariedade econômica ou afetadas por problemas pessoais graves foram persuadidas a se desfazer de todos os seus bens para pagar por um milagre.
Domingo, 29 de novembro, catedral da Iurd na Nataniel Cox. O bispo Francisco Couto está de pé sobre o palco, de onde todos podem enxergá-lo. É alto e se veste de maneira impecável: calças azuis, colete e gravata. Sua articulação e presença de palco são notáveis.
Não demora dez minutos para que os fiéis comecem a murmurar orações com os braços para o alto e as mãos estendidas, como se tocassem algo invisível. Às 10h15, cerca de 400 pessoas estão prontas para se tornar dizimistas.
Quinze assistentes – mulheres de vestido cinza e homens com calças azuis e camisas brancas – estão dispostos em filas nos corredores laterais do templo, vigiando os fiéis e cuidando da logística da cerimônia: pedindo que levantem as mãos, caminhando pausadamente quando o momento é solene e apressadamente quando têm de distribuir folhetos de propaganda sobre as doações. Apelidados de “obreiros”, são jovens que se preocupam muito com a aparência e se postam ao pé do palco com bolsas azuis para receber o dinheiro. O público faz filas para lhes entregar o dízimo.
Francisco Couto relembra que aqueles que não possuem dinheiro vivo podem dar seu dízimo através de seus cartões de crédito ou débito na máquina que leva um de seus “obreiros”. Feita a doação, o aparelho imprime um comprovante de venda em nome da Iurd (ver comprovante).
Agora, o bispo coloca uma das bolsas azuis no pé de um baú dourado, localizado também sobre o palco, e inicia uma oração de cinco minutos para que Deus recompense com mais dinheiro no futuro aqueles que “fizeram um sacrifício”. O tecladista coloca uma música de fundo e ajuda o bispo a criar a atmosfera celestial que regozija os dizimistas.
A música para e o bispo Couto vocifera um sonoro “Graças a Deus!”. Escutam-se aplausos ensurdecedores, seguidos sem interrupção por um lembrete do mesmo bispo: o dinheiro que quase todos os presentes haviam acabado de entregar é endereçado a Deus, e não à Iurd.

“Um salto no Chile em 2016”

Segundo Francisco Couto, que chegou ao país há dois anos, vindo do Brasil, a Iurd “dará um salto no Chile em 2016” com a construção do novo templo. É um projeto planejado por mais de dez anos e está a dias de se concretizar.
Em 30 de setembro de 2004, a igreja iniciou sua expansão quando comprou uma propriedade próxima à estação de metrô Unión Latinoamericana. De acordo com as escrituras, o vendedor era a Sociedade Imobiliária Quimera Limitada, que cobrou pela transação UF 62.600, cerca de US$ 1,7 milhões à época. Pouco mais de um ano depois, em 24 de outubro de 2005, a igreja adquiriu um prédio perto dali, na rua Abate Molina nº 60. A empresa Rentaequipos Comercial, dona do imóvel, recebeu, naquela data, UF 34.313 pela venda, que equivaliam então a mais de US$ 1,1 milhões.
Com dois prédios sob sua propriedade, em 23 de outubro de 2007, o representante legal da Iurd, pastor José Roberto Aguilera Inostroza, apresentou à Prefeitura de Santiago pedido de autorização de construção. O projeto incluía a permissão para demolir um edifício levantado na década de 1960.
Nos documentos apresentados à Direção de Obras da Prefeitura, calcula-se que a construção custaria o equivalente a UF 76.390 à época, quantia igual a quase US$ 3 milhões. Entre os terrenos e as obras, o orçamento chegaria ao valor de UF 172.703, que atualmente corresponderiam a mais de US$ 6,2 milhões.
A arquiteta Paulina Rica Mery, encarregada da construção do templo, conta que as novas instalações servirão também para formar “jovens teólogos” que difundirão pelo Chile a doutrina da Pare de Sufrir.
No planejamento da obra, ao que o Ciper teve acesso, percebe-se a magnitude do “salto” que a Iurd pretende dar no país: a superfície total da construção é de 10.826 metros quadrados (mais de dois campos de futebol); a capacidade do templo principal é de 2.132 pessoas, incluindo deficientes físicos; há 29 apartamentos para hospedagem e 54 vagas de estacionamento. Somando os espaços de escritórios, refeitórios, alojamento e do templo, em um mesmo dia o local pode sediar um evento com 2.668 pessoas. O plano é que as instalações tenham oito andares. “É uma construção moderna que se adapta aos novos tempos. Não contém imagens nem símbolos religiosos a não ser a cruz. É um lugar de ativa operação social. A cor da fachada é terra-cobre e significa a integração à idiossincrasia chilena”, explica a arquiteta Paulina Rica.
A empresa construtora do novo templo é a IDC, da Argentina. Em fevereiro de 2014, o representante legal da Iurd, Aguilera Inostroza, fundou uma sociedade no Chile, também chamada Construcciones IDC Limitada, com o engenheiro argentino Daniel Adolfo Carrera, que aportou 99% do capital.
Agora, Aguilera Inostroza é parte de uma construtora na qual investiu simbólico 1% (segundo o Diário Oficial) e, por isso, está em condições de desenvolver no Chile projetos de construção, aluguel de equipamentos ou ferramentas, prestar serviços profissionais de arquitetura e “a realização de todas aquelas atividades comerciais ou industriais complementares ou anexas ao eixo principal”.
Foto: Ciper
Fachada do novo templo da IURD no Chile (Foto: Ciper)
Apesar da enorme catedral que estão construindo, “Reinaldo”, o pastor do templo desta igreja em Ñuñoa – um dos 14 que a Iurd possui em Santiago, além dos 19 em outras regiões chilenas –, não está satisfeito com a recepção que a igreja teve no país. Tem encontrado – diz – “corações fechados”, o que os impede por enquanto de se estabelecer como esperavam. Mas assegura que os esforços não cessarão.
A nova sede da Iurd está quase pronta, e o velho Teatro Continental na rua Nataniel Cox está disponível para um novo locatário a partir deste mês, segundo confirmou ao Ciper a imobiliária GYG Propriedades.
A nova catedral é um objetivo que a Iurd alcançou por meio da fé, afirma diante dos fiéis o bispo Francisco Couto: “Porque ter fé é estar seguro do que não se pode ver. E nós não temos dinheiro, mas temos fé”. Couto fala aos fiéis enquanto os prepara para o momento das doações, a atividade mais importante do ano: a “Campanha Fogueira Santa de Israel na Fé de Gideão”.

A mulher das latas

Uma semana antes, no sábado 14 de novembro, Ciper presenciou no mesmo templo da Nataniel Cox uma sessão mais íntima. Nesse dia, quem presidiu a cerimônia foi outro pastor, de menor hierarquia que Couto, que pediu que um grupo de nove mulheres de idade avançada e sapatos gastos se aproximasse ao palco. São mulheres que andam a pé pela vida e, nesse dia, compareceram ao “Culto das causas impossíveis”.
Entre elas, há uma senhora que chega apressada. Em seus braços, leva várias latas de alumínio recolhidas pelas ruas e que ela tenta, também com pressa, guardar em uma sacola plástica, porque a fala do pastor já havia começado. Desta vez, ele – um jovem de calças pretas e camisa branca de mangas dobradas – não está sobre o palco, e sim no mesmo nível dos fiéis. Olhando-as fixamente, pergunta ao grupo de mulheres evidentemente cansadas: “Vivem mal, têm problemas, como estão?”. Em coro, todas respondem que sim, passam por situações ruins.
O pastor está à frente da mulher que chegou com as latas de alumínio e lhe fala sobre a vida dos fiéis: “É como a água, não como o vinho”, afirma, com uma voz que denota o esforço para parecer empático.
– O que sabe a água? – pergunta.
– Nada, nada, nada – respondem as mulheres em coro.
– Veem? Assim estão suas vidas.
O pastor segue tentando convencê-las de que a única coisa que precisam fazer para converter água em vinho, de que a única condição para que suas vidas deixem de ser insípidas, é “obedecer a Deus” e, sobretudo, “sacrificar-se por Ele”. Chama atenção que, a partir daí, o jovem pastor continua sua fala imitando a forma de falar dos pastores brasileiros: muda o “s” por “sh” e o castelhano pelo portunhol.
A essa altura, o grupo de mulheres já está entregue: todas obedecem a cada um dos passos que indica o pastor. Fecham os olhos e levantam os punhos, desferem pequenos golpes no ar e sacodem timidamente seus corpos enquanto o pastor desenha moinhos de vento com seus braços, invocando a presença de Jesus Cristo, Deus e do Senhor. “Não aceito a miséria, a dor, a doença…!”, grita o pastor.
As mulheres, também em voz alta, repetem suas palavras.

“Não aceito”

Uma pesquisadora que incluiu a Iurd em seus estudos de doutorado – e que pediu ao Ciper que não revelasse seu nome – descreve os métodos utilizados pelo bispo Edir Macedo como “pragmáticos e modernos”, porque evitam, por exemplo, que os fiéis se cansem com as leituras da Bíblia, as quais precisam, por sua vez, ser interpretadas e analisadas.
Já em 1991, o jornal Folha de S. Paulo publicava um testemunho de Macedo que ilustrava o “não aceito” repetido nos templos da Iurd ao redor do mundo como um não aceitar as condições adversas da vida e se dedicar à fé: “Minha segunda filha nasceu com lábio leporino, uma grande deformação que praticamente eliminava o céu da boca. Eu sofri, eu gemi, ela não foi uma alegria – foi uma tristeza, uma agonia. No dia em que ela nasceu, eu decidi que não ficaria mais na igreja em que estava e que iria partir para anunciar o Deus que me fora revelado”.
Neste sábado, 14 de novembro, no Chile, pode-se observar um pastor praticando, no templo da Nataniel Cox, os ensinamentos de Macedo com o grupo de mulheres de sapatos gastos. O pastor pega uma Bíblia e diz aos fiéis: “Aqui” – e dá tapinhas sobre a capa do livro – “há mais de 8 mil promessas, mas vocês se perguntam por que suas vidas não se encaixam nelas”.
O pastor continua sua fala destacando a passagem bíblica de Gideão, que obedeceu a Deus e se livrou do medo de defender Israel dos ataques dos midianitas, vencendo exércitos de “centenas, milhares e milhões” com um grupo de apenas 300 soldados. E termina direto no ponto: obedecer a Deus, dentro deste templo que antes foi um cinema com poltronas de madeira, significa entregar o dízimo.
“Se ganha 1 milhão, doa mil; se ganha mil, doa cem; se ganha cem, doa dez”, sentencia o pastor. Em seguida, o homem pega uma bolsa azul e pede às mulheres que se aproximem para depositar suas moedas. Todas o fazem, incluindo a mulher que se sustenta coletando e vendendo lixo.

Fé em Gideão e a Lei de Culto

A Iurd diz a seus fiéis que Gideão foi capaz de escutar Deus e tomar a iniciativa de formar um exército, ignorando os “incrédulos” inaptos para a “batalha” de enfrentamento aos opressores. Gideão representa o “não aceitar” a miséria, a desgraça e demais calamidades que os pastores e bispos costumam citar em seus discursos.
No templo da Nataniel Cox, é recorrente escutar como bispos e pastores incentivam centenas de pessoas a serem como Gideão, liderando as próprias batalhas para se libertar de seus problemas. E esse sacrifício consiste em vender todas as suas propriedades, reunir o dinheiro, colocá-lo em um envelope e ofertá-lo a Deus através das mãos terrenas do pessoal da Iurd.
Segundo o Manual Criminológico para Investigar Seitas, da Polícia de Investigações chilena (PDI), a entrega dos bens dos fiéis a um grupo é uma das características das seitas. Outro traço são os líderes carismáticos. Também difundem “ideias de astúcia, audácia e heroísmo”. Relação de ruptura e desconfiança em relação à sociedade e compensações claras e próximas são outras características sectárias que o manual da PDI identifica. O texto foi elaborado pelo capelão evangélico da PDI, David Muñoz Condell, e editado pela instituição para a leitura de seus detetives.
As descrições do manual da PDI se assemelham muito às práticas que o Ciper observou durante mais de um mês nos templos da Iurd. Embora o grupo venha sendo observado com apreensão por algumas igrejas evangélicas tradicionais e autoridades, até agora não enfrentou problemas, pois formalmente cumpre as exigências mínimas que impõe a lei chilena.
A Iurd chegou ao Chile no início dos anos 1990. Em setembro de 1995, o Ministério da Justiça recusou sua solicitação para se tornar pessoa jurídica, mas, surpreendentemente, dois meses depois, quando a Controladoria já havia tomado a decisão, mas ainda não havia publicado o decreto do Diário Oficial, resolveu deixar o documento oficial sem efeito e conceder a autorização.
A razão alegada para a mudança de opinião foi o respaldo das principais organizações evangélicas, que asseguraram não se tratar de uma seita. É o que consta no decreto que autorizou a Iurd a se tornar pessoa jurídica: “Numerosas organizações religiosas evangélicas do nosso país, tais como o Conselho de Pastores Evangélicos do Chile e o Comitê de Organizações Evangélicas, respaldam a solicitação de personalidade jurídica para a Igreja Universal do Reino de Deus, expressando seu apoio e confiança na mencionada entidade, assinalando que esta não é uma seita, mas uma Igreja Evangélica cujos objetivos não são contrários à moral, à ordem pública e aos bons costumes”.
O Ministério da Justiça voltou a conceder a autorização à Iurd em 2002, quando a Lei de Culto passou a permitir que as igrejas evangélicas, que até então tinham personalidade jurídica de direito privado, pudessem ser entidades de direito público, um privilégio antes reservado apenas à Igreja Católica. O Estado chileno não exige prestação de contas à Iurd, como tampouco o faz com outras 2.680 instituições religiosas de direito público existentes, de acordo com informações da Oficina Nacional de Assuntos Religiosos (Onar), vinculada ao Ministério da Secretaria-Geral da Presidência.
Como a Lei de Culto não estabelece nenhum tipo de controle financeiro sobre as igrejas e não as obriga a entregar informações sobre seus dirigentes, o Ministério da Justiça não exerce fiscalização sobre a Iurd. Um controle que, por lei, deve realizar sobre outras organizações sem fins lucrativos: “Não conta este Ministério com faculdades legais para exercer a vigilância e fiscalização a respeito das igrejas de direito público”, lê-se no site do órgão. O nome do representante legal da Iurd no Chile só é conhecido porque foi necessário informá-lo por causa de alguns trâmites municipais, e não porque algum ente público o tenha em um registro oficial.
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Propaganda da campanha Campanha Fogueira Santa de Israel na Fé de Gideão (Foto: Ciper)
A lei está em vias de ser modificada e a Onar trabalha no assunto com outros atores. O Ciper teve acesso à prévia do anteprojeto de lei que a presidente Michelle Bachelet apresentará ao Congresso.
No artigo 15, o rascunho diz que as entidades religiosas “deverão informar ao Ministério da Justiça a nomeação de seus ministros de culto com o objetivo de manter atualizado o registro”. No artigo 16, se estabelece que devem ser informadas também as mudanças nos estatutos, enquanto o artigo 17 indica que “as omissões, inconsistências ou imprecisões, fruto do não cumprimento da obrigação de informar, serão tributadas pelo Ministério da Justiça”.
No entanto, as formas de obter dinheiro, como as que utiliza a Iurd, não foram questionadas até o momento. O anteprojeto tampouco define, por enquanto, os mecanismos de controle de suas finanças. O rascunho não contesta também atividades como a campanha de Gideão, que aconteceu no Chile em dezembro e promete milagres expressivos no caso de sacrifícios econômicos em benefício da igreja: pessoas inválidas que voltam a caminhar, portadores de câncer ou HIV/aids se curando por completo ou crianças mortas voltando à vida, segundo o discurso da Pare de Sufrir.

Um pacto secreto com Deus

A mecânica do templo da Nataniel Cox consiste em que somente os que de fato estejam convencidos peguem um envelope estampado com uma passagem bíblica. Em seu interior, encontrarão um papel com um espaço onde escreverão “meu pedido” a Deus, e que deve corresponder ao “tamanho de sua capacidade de sacrifício” – a quantidade de dinheiro que estão dispostos a colocar no envelope – da qual ninguém deve saber, pois é um “trato entre Deus e você”.
Os obreiros colocam os envelopes em uma pequena pilha de pedras em cima do palco – que representa o monte Carmelo – para que os fiéis subam e peguem com as próprias mãos. Forma-se uma fila que só para de andar quando alguém fica em dúvida diante dos envelopes, como se estivesse pensando em fazer ou não o sacrifício.
As “batalhas” dos adeptos da Pare de Sufrir duraram até 13 de dezembro. Tiveram dias para preparar seu sacrifício e evitar “o diabo e os incrédulos” que tentaram impedir seus atos de fé, como diz Francisco Couto, que busca a aprovação do público perguntado “amém?” – e “amém!” lhe respondem.
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Um dos instrumentos de arrecadação de dinheiro utilizados pela IURD no Chile. Os fieis devem depositar uma nota em cada aba (Foto: Ciper)
“Têm até o 13 de dezembro para economizar. Ninguém mais deve ter esse envelope. Não devem contar a ninguém sobre seu sacrifício. É um diálogo entre vocês e Deus. Ignorem as piadas dos incrédulos. Vocês terão uma batalha como a de Gideão até 13 de dezembro, Satã tentará fazer com que duvidem de seu sacrifício, tentará fazê-los retroceder”, adverte o bispo brasileiro no palco. 
A Iurd foi questionada e se viu envolvida em processos judiciais contra seu fundador, Edir Macedo, no Brasil. Ainda assim, o controverso líder não esconde que sua empresa oferece salvação e milagres em troca de dinheiro. Em novembro de 2012 escreveu em seu blog: “Deus é justo e não deixará os que se sacrificam sem uma justa recompensa. Se você espera algo de Deus que ainda não chegou, há apenas dois motivos: seu sacrifício não foi verdadeiro ou seu sacrifício foi verdadeiro e Deus está preparando para que saiba lidar com as coisas grandes que chegarão”.
Ao menos para Edir Macedo a fórmula tem rendido grandes recompensas. Em 2013, comprou 49% das ações do Banco Renner do Brasil. Macedo não possui licença técnica para operar no mercado financeiro do Brasil, mas ainda assim levou a cabo essa operação que, de acordo com a Forbes, começou em 2009. Além disso, a revista o classifica como um produtor de meios de comunicação, já que é dono da Rádio e Televisão Record. O bispo vive em Atlanta, nos EUA, e é proprietário de uma filial da emissora de TV Telemundo, a W67CI.
Em 2014 inaugurou em São Paulo uma réplica da igreja do rei Salomão, que custou aproximadamente US$ 200 milhões. A Iurd se associa também a um partido político, o PRB, que nas últimas eleições legislativas do Brasil elegeu 21 deputados federais e 32 estaduais nas Assembleias Legislativas pelo país.
É esse o caminho, seguido no Brasil e em outros países onde a igreja já deu “o salto”, que agora buscam no Chile, segundo a pesquisadora que estuda a Iurd.

Críticos anônimos e as pistas invisíveis da Pare de Sufrir

Em 2005, o advogado chileno Eduardo Villarroel recebeu testemunhos de pessoas que haviam participado da campanha de Gideão entregando todo o seu patrimônio à Iurd e se sentiam enganadas. Villarroel, que representava o então deputado Iván Moreira, do partido União Democrática Independente, apresentou uma denúncia que terminou arquivada. Os acusadores não quiseram assinar como autores da ação, que acabou não avançando. “A denúncia saiu, foi divulgada àquela época, mas a discussão não foi adiante, os juízes… aí ficaram. A Igreja Universal não respondeu nada. Me deu a impressão de que houve algo oculto que começou a enterrar isso. Nós tínhamos todos os antecedentes, porque os querelantes tinham muito medo. Se tivessem assinado, a história teria sido diferente”, afirmou o advogado Villarroel ao Ciper.
Chegar ao cerne da Pare de Sufrir e seguir seus passos é difícil. É uma organização sem fins lucrativos capaz de gastar mais de US$ 6,2 milhões em um enorme templo sem levantar suspeitas ou objeções. De fato, na PDI informaram ao Ciper que não há neste momento nenhuma investigação contra a igreja. E o mais grave que constatou a reportagem é que aqueles que poderiam conceder alguma informação sobre quem controla a Iurd não o fazem por medo.
Se buscamos seus fundadores nos registros oficiais chilenos, nenhum deles aparece com um patrimônio compatível aos milhões que a igreja recebe e opera. A prosperidade que professam não está registrada em seu nome. A Iurd tem somente um domicílio legal no Chile, o da Nataniel Cox, nº 59, o velho imóvel que estão a ponto de abandonar. Ali, há registros de atividades organizacionais religiosas e vendas a varejo em armazéns especializados.
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Esta cédula, em que os fieis devem anotar seus pedidos, viaja a Israel com o pastor Couto (Foto: Ciper)
Seu representante legal, o “pastor Roberto”, tem duas residências registradas no Diretório de Informação Comercial (Dicom), uma em San Miguel e outra em Peñalolén – ambas na região metropolitana de Santiago –, mas não há propriedades em seu nome na capital chilena. O representante anterior, José Luis Godoy Flores, tem um perfil similar.
Jaime Mallea Illezca, o primeiro arquiteto da nova catedral, disse ao Ciper que deixou de ser o responsável pela obra, mas se recusou a explicar por quê. No local, há um cartaz no qual aparece o nome do arquiteto Ricardo Alegría Barba, porém esse profissional também respondeu que não supervisionou a construção do edifício e declinou a esclarecer a situação.
Uma fonte do governo que esteve entre os detratores da Iurd quando esta chegou ao Chile recorda que, à época, houve um debate sobre a origem dos recursos da Pare de Sufrir: uns diziam que não era importante, outros falavam em “lavagem física e espiritual do dinheiro”. Esse ponto foi mencionado por duas fontes que pediram para permanecer anônimas e destacaram que, diante da falta de fiscalização, existe o risco de que certas organizações religiosas que movimentam grandes quantidades de dinheiro recorram a más práticas, já que ninguém pesquisa a origem de seus fundos nem seu destino. Lembraram também o que ocorreu por décadas no Chile com a Colonia Dignidad, a seita fundada pelo alemão Paul Schäfer que utilizou o benefício da isenção tributária para fazer todos os tipos de negócios ilícitos, incluindo tráfico de armas.
Os questionamentos dos métodos da Iurd existem há 25 anos, quando ela desembarcou no Chile: “Havia críticas teológicas que seguem vigentes, como o uso de dinheiro de pessoas deslumbradas, o jogo com os sentimentos e histerias coletivas que criam para em seguida pedir doações. Quem assiste às cerimônias se torna cumpridor de qualquer exigência que façam os pastores, ainda que tal exigência fira sua dignidade. Há antecedentes suficientes para que se inicie uma investigação judicial, mas as supostas penas do inferno freiam as denúncias dos fiéis enganados”, adverte um especialista em organizações religiosas que conhece bem o funcionamento da Iurd.

Assim se faz um “milagre”

Manhã de domingo, 22 de novembro. No interior do templo na rua Nataniel Cox, o bispo Francisco Couto relata aos fiéis que no dia anterior o fundador da Iurd, bispo Edir Macedo, falou, direto do Brasil, de uma mulher que apanhava “até sangrar” e era ameaçada de morte pelo marido. Por isso – disse –, ela vendeu todos os seus móveis e fez uma oferenda à Iurd. Em troca, Deus fez com que seu marido se arrependesse de espancá-la. E o bispo celebrou que essa senhora tenha recuperado o amor do homem que a agredia e a ameaçava. Couto contou a história até esse ponto naquele dia, pois o testemunho completo do que havia ocorrido com a mulher brasileira estava reservado para o domingo seguinte, 29.
Foto: Demétrio Koch
Templo de Salomão, inaugurado pela Igreja Universal em 2014 na capital paulista (Foto: Demétrio Koch)
No domingo, 22 de novembro, não houve vídeos, a não ser um episódio que parecia fazer parte de um reality show caribenho.Quando Couto terminou de narrar o que havia dito Edir Macedo no dia anterior, pediu que subisse ao palco uma mulher de menos de 30 anos, que carregava um bebê nos braços, acompanhada por um homem de idade parecida, seu marido. Em seguida, solicitou que contassem aos presentes sobre seu “sacrifício”.
Ela começou a explicar sua história. Afirmou que havia tentado se matar, que sua vida estava muito vazia e que já não restava outro caminho. Até que fez uma oferenda a Deus: colocou uma grande quantidade de dinheiro em um envelope que entregou à Iurd para que levasse suas orações à Fogueira Sagrada de Israel. O “pedido” que havia feito era que Deus afastasse seus pensamentos ruins e também lhe arranjasse um marido. “Então, você é um produto dessa oferenda!”, exclamou, quase gritando no palco, o bispo Couto, enquanto apontava para o marido da jovem.
Nesse momento, o marido tomou a palavra e relatou que, depois que se casaram, decidiram fazer a mesma oferenda da mulher brasileira agredida pelo esposo: venderam sua mobília e entregaram o dinheiro à Iurd.
O homem disse que dormiam no chão e desenhavam ali a casa de seus sonhos e os carros que queriam comprar. De alguma maneira que não especificaram, Deus lhes deu esse e outros milagres, incluindo oito propriedades, um veículo modelo 2016 e uma filha (haviam se submetido a vários tratamentos de fertilidade sem resultado).
Dois sacrifícios para a Fogueira Santa em troca de muitos milagres. A lição foi reforçada uma e outra vez: para ele, era necessário dar tudo o que tinham, porque a Iurd disse que, quando se faz um trato com Deus, se trata de um “tudo ou nada”.
Domingo, 29 de novembro. No templo da Nataniel Cox estão cerca de 400 pessoas. Na última fileira está sentada a senhora que vimos chegar com as latas recolhidas da rua. Neste domingo, entretanto, ela não vem do trabalho. Seu visual está impecável: a cor rosa de seu gorro combina com o batom que aplicou aos lábios para a ocasião.
Entra o bispo Francisco Couto. Todos se levantam. Desta vez, não há falas iniciais. Apagam-se as luzes e, na tela gigante sobre o palco, é possível assistir ao testemunho da mulher brasileira que era agredida pelo marido. Suas palavras são traduzidas para o castelhano. Nas imagens, estão ela, seu esposo e um bispo da Iurd que os entrevistava.
Ela detalha as surras que levou, e o marido acena positivamente com a cabeça quando o bispo pergunta se estava endemoniado. Também diz “sim” quando lhe pergunta se sua vida mudou depois que a esposa vendeu os móveis para juntar o dinheiro necessário ao “sacrifício”. A mulher brasileira, então, retoma seu relato e diz que em determinado momento decidiu que seu “sacrifício” deveria ser ainda maior. Para isso, recolheu, em um só dia, centenas de latas nas ruas na tentativa de conseguir mais R$ 300.
O vídeo chega ao fim. As luzes do templo se acendem ao mesmo tempo em que o bispo Couto grita “Graça a Deus!” e os fiéis fazem tremer o local com seus aplausos. A senhora das latas também bate palmas.
Nesse momento, Couto faz um anúncio. Mudando seu tom habitual por outro que remete à intimidade, diz aos fiéis que “o Espírito Santo” elegeu a Igreja Iurd do Chile – entre todas as outras da América Latina – para representar o continente na Fogueira Santa, em Israel. E que será ele mesmo a fazer essa importante viagem para levar os “pedidos” daqueles que fizeram seu “sacrifício” ao mesmo lugar onde Gideão realizou suas façanhas. Será cansativo, explica, demorará 24 horas “entre viagens e períodos de espera em aeroportos, mas não importa”.
Se os planos da Iurd do Chile se concretizaram, Francisco Couto viajou no domingo, 13 de dezembro, em um avião até Israel. De acordo com ele, levaria os “pedidos” de todos os fiéis, entre os quais estava o da senhora das latas. Ela saiu do templo e regressou caminhando à sua casa. Quanto ao dinheiro dos “sacrifícios”, ninguém sabe onde foi depositado.
Reportagem originalmente publicada no site Ciper-Chile. Leia aqui o texto original em castelhano. Traduzido por Anna Beatriz Anjos.
Foto de destaque: Entrada da atual catedral da Pare de Sufrir em Santiago, no Chile (Crédito: Ciper)