março 2019
Parte do Brasil é composta de "burros trágicos"
Leonardo Boff
Em um dos seus escritos perguntava F. Nietzsche:”Pode um burro ser trágico? Pode na medida em que sucumbe ao peso de uma carga que não pode carregar, nem pode livrar-se dela”.
Há uma boa parte de nossa população que é de “burros trágicos” num duplo sentido da palavra:
Num
primeiro sentido, “burro trágico”é aquele que facilmente se deixa
enganar por candidatos que suscitam falsas promessas, com slogans
apelativos meramente propagandísticos, como “Deus acima de tudo e o
Brasil acima de todos”(lema nazista), “fora PT”, “combate à corrupção”,
“resgate dos valores tradicionais” “escola sem partido” contra ”a
ideologia de gênero“ “combate ao comunismo”, “contra “a cultura
marxista”. Estas duas últimas bandeiras são de uma “burrice trágica”e
palmar única, num tempo que nem mais comuinismo existe e que ninguém
sabe o que significa exatamente “cultura marxista”.
Estes
que gritam estas consignas e que se proclamam “gente de bem”, são os
mesmos que mentem descaradamente a começar pelo atual
capitão-presidente, por sua “famiglia”, por aqueles que disseminam
conscientemente fake news, ódios, raivas fenomenais, injúrias de
todo tipo, palavrões que nem seus familiares poderiam ouvir e que
mandam para o inferno, com complacência, para Cuba, Coréia do Norte ou
para Venezuela os que pensam diferente.
Curiosamente ninguém
os manda para China, onde de fato vigora o comunismo-maiosmo porque
sabem que lá o comunismo funciona pois se produziu a maior economia do
mundo e que pode enfrentar militarmente a maior potência nuclear, os
USA.
Esse primeiro tipo de “burro trágico” é fruto da ignorância, da falta de informação e da maldade contra quem pensa diferente.
Existe
um segundo tipo de “burros “trágicos”: aqueles que são consequência de
uma estratégia política de criação de “burros trágicos”, voluntariamente
mantidos analfabetos, para melhor manipulá-los e terem sua base
eleitoral cativa. Fazem-nos credulos e seguidores de um “mito” inventado
e inflado sem qualquer conteúdo digno de “um mito”.
Essa
classe, criadora de “burros trágicos", nem toda, graças a Deus, tem
pavor de alguém que saiu de condição da “burrice trágica” e chegou à
cidadania e a desenvolver espírito critico.
O
atual governo somente ganhou a maioria de votos porque grande parte dos
eleitores foram mentidos na condição de “burrice trágica”.
Negou-se-lhes a verdadeira intenção escondida: de diminuir o salário
mínimo, de cortar direitos sociais, para muitos, da bolsa-família, de
modificar a legislação trabalhista para favorecer as empresas, de
liquidar a farmácia popular, de diminuir os vários acessos dos pobres ao
ensino superior e, acima de tudo, da profunda modificação do regime das
aposentadorias. Se tivessem revelado esta intenção jamais teriam ganho
a eleição. Por isso, ela resulta espúria, mesmo feita no rito
democrático. Escandalosamente, assim como se fez com Cristo, tomaram as vestes nacionais e a sortearam-nas entre si.
Nem
falemos de alguns ministros que são de uma “burrice trágica” e supina
como a Ministra da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos, o
Ministro da Educação que sequer domina nossa língua, pois é um imigrado
colombiano, o ministro do Meio Ambiente que não conhecia o nome de Chico
Mendes e o Ministro das Relações Exteriores, no qual a “burrice
trágica” alcança sua quintessência.
Por que chegamos a este ponto tão baixo em nossa história? Celso Furtado morreu carregando esta interrogação:”por que o Brasil, sendo um país tão rico, seja tão atrasado e tenha tantos pobres?” Ele mesmo respondeu em seu livro que vale revisitar:”Brasil: a construção interrompida”(Paz e Terra 1992):
”Falta-nos a experiência de provas cruciais, como
as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar
ameaçada. E nos falta também um verdadeiro conhecimento de nossas possibilidades e, principalmente, de nossas debilidades.
Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera, e que a contagem
desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se temos um futuro como
nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as
forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de
formação de um Estado-nação”(p. 35). As forças atuais em continuidade de
todo um passado, se empenham em interrompê-lo na forma de uma “burrice
trágica”.
Ou talvez, pensando posivitiamente, está se armando a “nossa crise crucial”
que nos permitirá o salto para um outro tipo de Brasil, com outros
valores e com menos processos de proposital “emburrecimento” de grande
parte de nosso povo.
Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escreveu Brasil: concluir a refundação ou porolongar a dependência, Vozes 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário