Crianças refugiadas em centro de detenção da Austrália sofrem com transtornos mentais
Revelando os efeitos da política de detenção australiana e seu impacto na saúde mental
Mridula Amin e Isabella Kwai, The New York Times
21 Novembro 2018 | 06h00
TOPSIDE,
NAURU - Ela tinha 3 anos quando chegou a Nauru, fugindo da guerra no
Sri Lanka. Hoje, Sajeenthana tem 8. O seu olhar é vazio. Às vezes, soca
adultos. E fala em morrer com tranquilidade.
“Ontem
cortei a minha mão”, disse em uma entrevista na remota ilha do Pacífico
para a qual foi enviada pelo governo australiano, depois de ser
resgatada no mar. E apontou para uma marca.
“Um dia, vou me matar”, afirmou. “Quando achar a faca. Não ligo para o meu corpo”.
Pelo menos 90 delas foram removidas desde agosto, mas no início de novembro, 27 ainda estavam em Nauru com centenas de adultos.
Foto: Pixabay
O pai tentou acalmá-la, mas ela se desvencilhou. “É a mesma coisa, na guerra, ou aqui”, ela disse.
Sajeenthana
faz parte de um grupo de mais de 3 mil refugiados e pessoas em busca de
asilo enviados para centros de detenção longe da Austrália desde 2013.
Nenhuma outra política australiana foi tão condenada pelos defensores
dos direitos humanos de todo o mundo, nem foi tão defendida pelas
autoridades australianas, que há muito afirmam que desse modo salvam
vidas dissuadindo contrabandistas e migrantes.
O desespero
atingiu um novo nível - em parte por causa dos Estados Unidos.
Sajeethana e o pai são alguns entre as dezenas de refugiados em Nauru
que esperam ser transferidos segundo um acordo da era Obama que o
presidente Donald Trump concordou cumprir com relutância, permitindo o
reassentamento de 1.200 refugiados abandonados em campos ao largo da
Austrália.
Até o momento, cerca de 430 foram transferidos para os Estados Unidos - mas pelo menos 70 foram recusados.
Isto
inclui Sajeethana e seu pai, refugiados do grupo Tâmil que fugiram da
violência do seu país depois que o governo de Sri Lanka reprimiu
violentamente uma revolta.
O Departamento do Interior da
Austrália declarou que Nauru tem “condições adequadas de avaliar o
estado de saúde e o tratamento” destas pessoas.
Mas casos de
crianças suicidas estão ocorrendo desde o mês de agosto. Dezenas de
organizações, como a dos Médicos Sem Fronteiras (que foram expulsos de
Nauru no dia 5 de outubro) manifestaram preocupações. O governo
australiano foi obrigado a ceder: no início deste mês, as autoridades
informaram que até o Natal iriam transferir todas as crianças de Nauru
necessitadas de tratamento.
Pelo menos 90 delas foram removidas
desde agosto - Sajeethana saiu logo depois da entrevista - mas no início
de novembro, 27 ainda estavam em Nauru com centenas de adultos.
Alguns
pais, que foram deixados para trás enquanto os seus filhos recebem
tratamento, temem não voltar a vê-los se pedirem para ser transferidos
para os EUA.
Nauru é uma pequena ilha-nação de cerca de 11 mil
habitantes. Uma fileira de mansões dilapidadas ao longo da costa indica a
riqueza passada da ilha; na década de 70, esta era uma nação rica em
fosfatos com uma renda per capita superada apenas pela Arábia Saudita.
Agora,
suas reservas de fosfato se esgotaram, e o país depende
consideravelmente da ajuda australiana. Somente no ano passado, ela
correspondeu a cerca de 25% do Produto Interno Bruto de Nauru.
Em
Topside, um lugar onde restam vários carros velhos e muita poeira,
encontra-se um dos dois centros de processamento que hospedam cerca de
160 detidos. Centenas de outros vivem em acampamentos de habitações
modulares.
Sukirtha Krishnalingam, 15, disse que os dias são um
círculo tedioso sem fim enquanto ela e a família de cinco pessoas -
refugiados certificados do Sri Lanka - esperam para saber se os
Estados Unidos os aceitarão. Ela teme por causa do seu problema
cardíaco. E tem pesadelos.
“De noite, ela grita”, contou o irmão Mahinthan, de 14 anos.
No
ano passado, as alusões ao suicídio começaram a se tornar mais comuns.
Jovens como Absullah Khoder, um refugiado libanês de 24 anos, disse que a
exaustão e a desesperança estão cobrando o seu preço. “Eu corto as mãos
com lâminas porque estou cansado”, falou.
Agora, as crianças
falam em suicídio como se fosse apenas uma tempestade. Desde 2014, 12
pessoas morreram nos campos de detenção ao largo da Austrália, em Nauru e
na Ilha de Manus, que faz parte de Papua Nova Guiné.
Christina
Sivalingam, uma criança tamil de 10 anos, falou como se fosse uma coisa
comum que viu o lugar onde o iraniano, Fariborz Karami, se matou em
junho.
“Descemos do ônibus da escola e eu vi o sangue - estava em
toda parte”, ela disse com calma. Levou dois dias para limpar. Ela
falou que o pai também tentou o suicídio quando o seu tratamento da
tiroide demorou.
A transferência de alguns dos seus amigos para
os EUA só fez com que se sentisse mais sozinha. Ela não sente mais
vontade de comer. “Quero ir para algum lugar e ser feliz”, afirmou.
A
Dra. Beth O’Connor, psiquiatra que trabalha com os Médicos Sem
Fronteiras, disse que quando chegou no ano passado, as pessoas se
agarravam à esperança de um reassentamento nos EUA. Em maio, várias
foram rejeitadas, o que mergulhou o campo no desespero.
A morte de Karami piorou ainda mais o moral.
“Algumas pessoas tinham só um pouco de brilho nos olhos, agora o seu olhar ficou opacos”, observou a doutora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário