terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Um muro para dividir a América

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Um muro para dividir a América

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Dois pré-candidatos do Partido Republicano à Casa Branca querem separar seu país do México e de toda América Latina. Por que a ideia, mais que xenófoba, é uma encenação?
Por Camila Balthazar, no Calle2
Uma pequena multidão enfileirou-se em frente ao Flynn Center, em Burlington, a maior cidade do estado americano de Vermont, mesmo com pouco mais de 40 mil habitantes. Nesse dia gelado do inverno no hemisfério norte, 7 de janeiro de 2016, apoiadores e manifestantes disputavam um lugar entre os 1,4 mil assentos na plateia que assistiria ao discurso do pré-candidato à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, de 69 anos.
Às 19h30, quando o empresário de ambições políticas subiu ao palco, com seu terno bem cortado, gravata vermelha – que vez ou outra se reveza com uma versão azul –, e sua vasta cabeleira loura esbranquiçada, os aplausos vieram apenas de apoiadores. Votantes indecisos ou manifestantes foram devidamente impedidos de entrar, segurando cartazes do lado de fora com dizeres como “Deporte Trump!” e “Não se entregue ao medo racista. Refugiados são bem-vindos aqui”.
Do lado de dentro, Donald Trump, conhecido por ser o apresentador da versão estadunidense do reality show “O Aprendiz”, tranquilizava os ouvintes ao repetir sua declaração controversa e um tanto xenófoba. “Não se preocupem. Nós vamos construir o muro”, disse o pré-candidato, seguido por mais aplausos e gritos eufóricos. Ao perceber a animação da plateia, ele prosseguiu: “Esperem um minuto…. E quem vai pagar pelo muro?”, questionou, ouvindo um uníssono “México!” como resposta. Claro que o presidente mexicano Enrique Peña Nieto já se manifestou, dizendo que a afirmação reflete a ignorância, a irresponsabilidade e o desconhecimento de Trump sobre a realidade.
Uma das principais frentes da campanha do bilionário do setor imobiliário, cujo slogan é “Make America Great Again” (algo como “Faça a América grande de novo”), é construir um muro que divide a fronteira sul do país com o México. O assunto não tem nada de inédito. Memórias afiadas devem se lembrar dos anos de 2006 e 2007 e do governo de George W. Bush, quando o então presidente assinou um decreto que autorizava a construção de 1,1 mil quilômetros de proteção ao longo da fronteira de 3,1 mil quilômetros.
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Donald Trump, favorito para disputar a Casa Branca pelo Partido Republicano: uma barreira de 11 mil quilômetros com “um grande portal” no meio
Cercas de concreto foram erguidas, câmaras de vigilância e sensores que detectam calor foram instalados. Emigrantes criaram novas rotas, cavaram novos túneis. O relatório para o ano fiscal de 2016 do U.S. Department of Homeland Security, que protege o território de ataques terroristas e age em caso desastres naturais, prevê um gasto de US$ 3,7 bilhões para manter 21 mil agentes na fronteira e US$ 3,2 bilhões para os 23 mil inspetores nos portos. A região é uma das mais vigiadas do mundo, se considerarmos que se trata de dois países que vivem oficialmente em paz, sem guerras.
Agora Trump pretende fechar qualquer fresta de entrada, preenchendo a fronteira de leste a oeste. No meio dessa obra faraônica, uma imponente porta seria construída para receber “os mexicanos do bem”. “Será um muro com uma porta linda e grandiosa porque queremos que os imigrantes legalizados voltem para o nosso país”, afirmou o pré-candidato. Seu projeto também inclui a deportação dos 11 milhões de ilegais que atualmente moram e trabalham nos Estados Unidos.
Concorrendo à vaga do Partido Republicano com outros 11 candidatos, o nova-iorquino lidera as pesquisas mais recentes e parece ter uma chance real de disputar a corrida pela Casa Branca. De acordo com a CNN, Trump aparecia com 39% das intenções de votos no final de dezembro de 2015, seguido de Ted Cruz (18%), Ben Carso (10%) e Marco Rubio (10%). Seu principal oponente, o senador do Texas, Ted Cruz, também prega a construção do muro e a deportação dos ilegais. Na campanha do segundo colocado, nem os “bonzinhos” terão a chance de voltar. A revelação do candidato oficial do partido só será feita na convenção de Cleveland, marcada para a terceira semana de julho de 2016.
Criança mexicana se encontra com norte-americana na divisa de Tijuana com San Diego
O professor mexicano Javier Urbano Reyes, formado em Relações Internacionais pela Universidade Autônoma do México, não tem dúvidas de que a história do muro não passa de um grande teatro entre os dois países. Durante uma entrevista em seu escritório na Cidade do México, o especialista em temas de cooperação internacional e migração destacou que o problema migratório é mais complexo do que se imagina.
“Pense: são 11 milhões de ‘indocumentados’, recebendo a metade ou menos de um salário regular pago nos Estados Unidos. Se você calcula por hora, há uma economia de muito dinheiro por dia, por trabalhador. Multiplique esse número por 11 milhões. A isso se chama subsídio econômico. Os Estados Unidos são subsidiados por essa mão-de-obra barata. Já no caso do México, recebemos mais de 24 bilhões de dólares por ano em remessas – dinheiro que só perde para o petróleo e o turismo. Se há uma regularização, os trabalhadores deixarão de enviar dinheiro ao México”, observa.
Com três livros publicados sobre o assunto e experiência com pesquisas de campo na fronteira norte do México, Javier aponta que o imigrante sem documentos e desprotegido da lei é conveniente para os dois países. “México e Estados Unidos brincam com um discurso. Eu finjo que me indigno e fico brabo porque violam os direitos dos emigrantes mexicanos e eles, EUA, fingem que colocam barreiras. O discurso do muro é uma mensagem para eleitores republicanos. Se houvesse interesse em modificar o fenômeno, já teriam feito há muito tempo. A grande potência mundial não pode parar a imigração? Claro que pode”.
A história humana guarda outros muros passados e presentes. Chineses, alemães, israelenses e tantos outros povos do Oriente Médio e do Norte da África, que se protegem com barreiras físicas de inimigos, imigrantes e terroristas. Para o professor Javier, nenhum deles se compara ao que acontece na fronteira sul dos Estados Unidos.

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