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sexta-feira, 26 de junho de 2020

A DESUMANIZAÇÃO A pandemia amplia a violência contra os presos (e os negros) no Brasil


https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-desumanizacao/?utm_campaign=a_semana_na_piaui_11&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

tempos da peste

A DESUMANIZAÇÃO

A pandemia amplia a violência contra os presos (e os negros) no Brasil

JULIANA BORGES
  
O encarceramento em massa no Brasil: em março, quando a pandemia começou a se espalhar, as operações policiais nas favelas caíram 74% – e, no mesmo período, a redução de homicídios nas favelas foi da ordem de 60%. Os números explicam por que se fala em genocídio da população negra
O encarceramento em massa no Brasil: em março, quando a pandemia começou a se espalhar, as operações policiais nas favelas caíram 74% – e, no mesmo período, a redução de homicídios nas favelas foi da ordem de 60%. Os números explicam por que se fala em genocídio da população negra CREDITO: CACO BRESSANE_2020

Depois dos Estados Unidos e da China, o Brasil tem a terceira maior população prisional do mundo, em números absolutos. Estão presos no país 755.274 homens e mulheres, quase 30% deles em regime provisório, ou seja, sem que tenham recebido uma sentença definitiva, conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de dezembro do ano passado. É uma situação absurda, tanto mais porque, quando ocorrem os julgamentos, um terço dos presos provisórios é absolvido por prescrição ou arquivamento do caso, ou então recebe penas restritivas ou alternativas. Inúmeros deles aguardam seu julgamento por anos a fio, em geral sem ter direito a uma defesa justa ou mesmo a uma defesa efetiva, dado o baixo número de recursos.

O Brasil também tem uma das maiores taxas de aprisionamento do mundo por habitante (335 presos por 100 mil habitantes), segundo o relatório World Prison Brief, do Institute for Criminal Policy Research, da Universidade de Londres, que analisou 222 países. Os números aqui são a prova de uma devastação social. Grande parte dos presos (44%) é de jovens entre 18 e 29 anos, ao passo que, na população em geral, essa faixa etária representa 21,5%. De acordo com o Depen, a maioria das pessoas (51%) está encarcerada por crimes contra o patrimônio, mas entre as mulheres predominam os crimes relacionados a drogas (são 51% dos casos).

Há no país um evidente exagero no uso da prisão preventiva, com um elevado número de detenções em flagrante. O Poder Judiciário tende a manter essas prisões, e é a partir delas que se costuma instaurar o processo, e não da investigação. As ações da polícia para prender e a dos juízes para manter as prisões podem levar a crer que isso tenha impacto positivo na redução dos níveis de criminalidade. Mas não é o que ocorre, pois se verifica que alguns dos estados mais violentos são também os que têm as mais altas taxas de presos. Ou seja, não há uma relação direta entre punição e menores índices de criminalidade, pelo contrário. Além disso, muitas redes criminais surgem nos presídios e são alimentadas pela política de incentivo ao encarceramento. O Acre, por exemplo, apesar de ter a maior taxa de aprisionamento entre os estados (954 por 100 mil habitantes) é o segundo mais violento (com 62,2 homicídios por 100 mil habitantes). São Paulo, por outro lado, embora tenha a menor taxa de homicídios do país (10,3 por 100 mil habitantes), é o quinto na lista dos estados que mais encarceram (501 por 100 mil habitantes).

A prisão em flagrante está totalmente atravessada por questões sociais, raciais e mesmo de gênero – houve, inclusive, uma vertiginosa expansão de 567% no número de mulheres presas no país entre 2000 e 2014; entre os homens, o aumento foi de 220%, no mesmo período. Com o crescimento das prisões em flagrante e o abuso das prisões provisórias, não é nenhuma surpresa que os índices também exponham uma enorme disparidade racial: do total de presos no país, 58% são negros. Segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), nas varas criminais, a maioria dos julgados é de negros (57,6%), mas nos juizados especiais, que analisam casos considerados menos graves, a maioria é composta por brancos (52,6%). Nas varas criminais a prisão é praticamente inevitável; nos juizados especiais as penas alternativas são mais frequentes.



 

Apandemia agravou a situação dos presídios no Brasil. Enquanto se observa uma ampla indiferença em relação às prisões, a violência e a negação de direitos só aumentam nesses locais, tornando ainda mais difícil o acesso dos presos à saúde, aos remédios e à dignidade.

As primeiras medidas para conter a disseminação da Covid-19 nos presídios se deram na contramão das recomendações da Organização Mundial da Saúde. Apenas 2 155 testes haviam sido realizados em todo o sistema prisional até o início de maio, e determinou-se que pessoas sentenciadas ao regime semiaberto, com direito a passar o dia na rua, deveriam ficar fechadas nas prisões. Os estados também suspenderam as visitas aos presos, que deixaram de ter acesso aos advogados e aos familiares que lhes forneciam produtos básicos (como medicamentos, produtos de higiene e alimentos). Com isso, ficou ainda mais difícil saber sobre a real situação dos detentos no momento.

Levantamentos recentes têm apresentado um cenário desolador nas prisões, onde a letalidade da Covid-19 pode ser 5,5 vezes maior que na população em geral, conforme cálculos feitos a partir de informações do Depen. Até 9 de maio, havia 526 casos confirmados e 22 mortes por causa do novo coronavírus nas prisões brasileiras (deve-se, porém, levar em conta a provável subnotificação, como ocorre em todo o país). Apenas no estado de São Paulo, 35% dos presídios têm casos suspeitos ou confirmados de contágio, seja entre os presos, seja entre funcionários, segundo um documento interno do governo estadual, obtido pela Folha de S.Paulo em maio. Cerca de 25 mil presos nesse estado fazem parte dos grupos de risco, de acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária, mas as solturas, por meio de ações judiciais, de presos que se enquadram nesses grupos têm sido poucas, tanto em São Paulo quanto no resto do país.

As instituições só passaram a agir depois de serem questionadas por organizações da sociedade civil. Uma série de medidas para reduzir o número de pessoas no sistema prisional foi formulada pela Resolução nº 62 do Conselho Nacional de Justiça, de 17 de março, em consonância com as orientações de organismos internacionais e do próprio Ministério da Saúde. As medidas estão voltadas principalmente para os grupos de risco, mas também trazem recomendações gerais, como a reavaliação das prisões provisórias, do relaxamento da prisão ilegal e da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.

Faz alguns anos que uma epidemia de tuberculose vem se espalhando pelos presídios, onde essa doença tem uma incidência 35 vezes maior que entre a população em geral. Há tempos, também, pesquisadores e ativistas vêm apresentando e denunciando as condições insalubres do sistema prisional, com a insuficiência de equipamentos de saúde, materiais de higiene, ventilação e saneamento em geral, sem falar na superlotação e alimentação precária. Por isso, na mesma resolução, o Conselho Nacional de Justiça caracterizou a situação do sistema penitenciário brasileiro com um “estado de coisas inconstitucional” – o que a pandemia explicita ainda mais.

 

Como chegamos a tal ponto, e por que a questão racial, mais uma vez, é tão determinante? Não custa lembrar alguns dados gerais sobre os negros no país. A pesquisa Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgada pelo IBGE em 2019, aponta que entre os 10% mais ricos do país, quase 71% são brancos, ao passo que, entre os 10% mais pobres, 75% são negros. Dos cargos gerenciais, 69% são ocupados por brancos e apenas 30% por negros. Entre a população branca, o rendimento médio é quase duas vezes maior que entre os negros, que, no entanto, representam 56% da população brasileira (pelos critérios do IBGE, negros são o grupo composto por quem se autodeclara preto ou pardo). Esses indicadores expressam uma gritante desigualdade racial, mas são apenas parte do que afeta a população negra, sujeita também à violência, à falta de cobertura de saneamento básico, à dificuldade de ter acesso à moradia própria e digna, entre outros fatores que continuamente a marginalizam.

Não é problema recente, como se sabe. O processo de idealização e construção da identidade brasileira escamoteou diversas questões de origem, consolidando mitos, como o de sermos um povo pacífico e não racista. As próprias estatísticas sociais contradizem esse ideal, que o sociólogo Jessé Souza chamou de construção fantasiosa.

 

Desde o início da Colônia, a hierarquização racial tem papel dominante na formação do país, com o objetivo de tornar subalterno o povo dominado. A escravidão dos negros foi o passo seguinte nesse processo. O trabalho de dominação atravessou os séculos, acompanhado da criação incessante de sistemas punitivos, desde as Ordenações Filipinas, no século XVII, que definiu o escravizado como mera mercadoria, até a primeira Lei Criminal, de 1830, que estabeleceu regimes diferenciados de penalização para “livres”, “negros libertos” e negros escravizados.

Para dar um exemplo, recorro ao livro Crimes em Comum: Escravidão e Liberdade sob a Pena do Estado Imperial Brasileiro (1830-1888), em que o historiador Ricardo Alexandre Ferreira conta que 62 réus sentenciados à morte em 1839 solicitaram a comutação ou perdão da pena ao Poder Moderador, então exercido pelo imperador. Entre os réus, onze eram escravizados e nenhum deles teve a pena perdoada. Os únicos onze pedidos de perdão concedidos foram para réus brancos. (O trabalho de Ferreira também demonstra a contradição essencial do Código Imperial: como um ser escravizado, considerado “coisa”, poderia ser acusado de descumprir um pacto feito entre “pessoas”, assim consideradas porque nasceram “iguais e livres”?)

Os códigos penais subsequentes, na era republicana, se já não podiam distinguir entre homens livres e escravizados, nem por isso deixaram de criminalizar os negros, condenando-os de diversas maneiras, punindo práticas culturais como a capoeira e o uso do “pito do pango” (o nome da maconha na época). O “pango”, aliás, era apontado no discurso dominante como droga que potencializava a “natureza criminosa” dos negros e poderia servir de instrumento de vingança deles contra os brancos. Por incrível que pareça, foram esses os argumentos utilizados pelo psiquiatra brasileiro Pedro José de Oliveira Pernambucano Filho em uma conferência da Liga das Nações, em 1925, na qual Brasil e Egito defenderam a criminalização da maconha. Já então é possível constatar como a guerra às drogas terá papel central no genocídio da população negra brasileira.

Em 1932, usuários e traficantes passaram a ser penalizados, em decorrência de um decreto que só se tornou lei em 1940. Durante a ditadura militar, leis equipararam o usuário ao traficante e foi intensificada a repressão ao consumo e ao tráfico de drogas. Apenas em 1976, passou-se a distinguir o traficante do usuário, conforme lei que vigorou até 2002, com poucas alterações. A partir de 2006, os usuários deixaram de ser punidos com prisão, mas a sentença passou a depender da interpretação dada ao parágrafo 2o do artigo 28, da lei nº 11343, que estabelece que o juiz, para determinar se a droga é ou não destinada ao consumo pessoal, analisará não apenas a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação de apreensão, como também as circunstâncias sociais e individuais no momento da prisão. Propostas de endurecimento contra as drogas e ampliação das penas foram aprovadas recentemente, com o projeto da Lei Anticrime (lei 13964/19).

Entre os quase 800 mil presos do país, 20,3% são acusados de tráfico de drogas e 17,4% de crimes contra a pessoa. Os números mostram que a guerra às drogas está na raiz do encarceramento em massa no Brasil, bem como no discurso de controle ostensivo das periferias e comunidades. Em estudo divulgado em abril de 2020, a Rede de Observatórios da Segurança apontou uma relação direta entre operações da polícia (a pretexto de reprimir o tráfico de drogas) e homicídios em comunidades cariocas. Para se ter uma ideia desse nexo, basta lembrar que, durante o mês de março, as operações policiais nas favelas foram reduzidas em 74% – e, no mesmo período, a redução de homicídios nesses locais foi da ordem de 60%, segundo o estudo. Aqui fica evidente porque se falou antes em genocídio da população negra.

 

Apesquisadora norte-americana Michelle Alexander, autora de A Nova Segregação e uma das principais defensoras de uma reforma do sistema de justiça criminal nos Estados Unidos, chamou a atenção para o fato de que a guerra às drogas não livrará a sociedade do tráfico. Pelo contrário. Em geral, essa guerra não é feita contra as chamadas “drogas perigosas” (a própria ideia de “perigo”, no caso, ainda é objeto de debate entre estudiosos), nem obtém grandes apreensões de substâncias. É uma guerra travada, sobretudo, contra as drogas leves, resultando principalmente em pequenas apreensões – que, por sua vez, ganham tipificação criminal diferente, conforme ocorram num bairro de classe média ou da periferia.

Uma pesquisa do Instituto de Segurança Pública, divulgada em 2015, mostrou que, em 75% dos casos de apreensão de maconha no Rio de Janeiro, o volume de droga por ocorrência não passava de 43 gramas, e em 90% não chegava a 200 gramas. Em 50% das apreensões de cocaína o volume era de até 11 gramas por pessoa, e em 50% dos casos de crack, de cerca de 6 gramas. Em 2018, uma pesquisa do Instituto Sou da Paz revelou que, no estado de São Paulo, 99% das ocorrências policiais naquele ano apreenderam apenas 24% da massa de maconha retida entre 2015 e 2017. Ou seja, apenas 1% das operações policiais realizaram grandes apreensões. Fora isso, cerca de 50% das apreensões de maconha foram de no máximo 40 gramas por caso.

A guerra às drogas é hoje amplamente aceita e presente, mesmo que, segundo o Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo, 58,7% das penas dadas aos que foram presos por tráfico sejam de menos de quatro anos, o que autoriza o cumprimento da sentença em regime aberto ou punições apenas restritivas, nos casos de pessoas que não sejam reincidentes nem membros de organizações criminosas. Estudos feitos pelo NEV em 2011 e a tese de doutoramento do juiz Luís Carlos Valois, O Direito Penal da Guerra às Drogas (publicada em 2016), apontaram que 74% das prisões por tráfico têm como testemunhas apenas os policiais, que são os executores da prisão – e 91% desses processos terminam em condenação. O artigo 304, parágrafo 2º, do Código do Processo Penal diz que a falta de testemunhas não impede o auto de prisão em flagrante, mas este deve ser assinado por duas pessoas que tenham “testemunhado a apresentação do preso à autoridade”. Deveríamos nos perguntar se policiais, que são agentes do Estado e, portanto, parte interessada no processo acusatório, podem ser as únicas testemunhas para a efetivação de uma prisão. Esse é um ponto que muitos especialistas e ativistas de Direitos Humanos e estudos da violência têm questionado fortemente.

Vale observar que a maioria das detenções, muitas em circunstâncias não violentas, são de pessoas com pequena quantidade de substâncias, como se viu. Para confirmar esse fato, basta conferir as sentenças. Se já temos mecanismos legais que preveem medidas e penas alternativas e restritivas, deveríamos fazer maior uso dessas ferramentas. As principais organizações que comandam o tráfico de drogas no país surgiram e se fortalecem nos presídios. Ao insistirmos numa prática que superlota o sistema prisional, em vez de enfraquecer essas organizações, estamos tomando o curso oposto e garantindo contingente para ampliação de seu poder. Foi por isso que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2016, que não se deve configurar como hediondo o tráfico de drogas realizado por “agente primário, de bons antecedentes e que não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.

Além disso, é preciso ter sempre em mente que, no Brasil, o sistema de punição não é alheio às questões de classe social, raça e gênero. Há uma relação direta entre as ações policiais ostensivas em territórios já marginalizados, ocupados por gente pobre e negra, e a incidência de sentenças de prisão dada a pessoas oriundas desses lugares. A precariedade em que vive a maioria dos negros se reflete na criminalização a que estão constantemente sujeitos por sistemas punitivos que sempre se refinam e ampliam seus meios de dominação e discriminação. Haveria tanto silêncio sobre as populações prisionais caso elas fossem compostas majoritariamente por brancos?

Prisões não podem ser lugares onde a sociedade descarta a massa de indesejados e pessoas de vidas precárias, como alertou a intelectual norte-americana Angela Davis. O aprisionamento não é uma carta branca para intensificar a violência e a desumanização.

JULIANA BORGES

É escritora e consultora do Núcleo de Enfrentamento, Monitoramento e Memória de Combate à Violência da OAB-SP. Publicou Encarceramento em Massa

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Marcadores: presídios

sexta-feira, 19 de junho de 2020

"MROSC e COVID - 19: Manual Prático de Apoio às OSC"


https://mcusercontent.com/eda0f7eac0364e78beb94648f/files/8fba2692-5b46-4b95-b0ac-446764393de4/CARTILHA_MROSC_e_COVID.pdf


A Plataforma por um novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil lança a cartilha "MROSC e COVID - 19: Manual Prático de Apoio às OSC". A ação se insere dentro do Projeto “Fortalecimento e Regionalização da Plataforma MROSC” que é realizado pela Cáritas Brasileira, CAMTRA - Casa da Mulher Trabalhadora e ELO Ligação e Organização, com financiamento da União Europeia. O Manual tem por objetivo trazer um roteiro para apoiar os processos de tomada de decisão das OSC nas relações de parceria firmadas com o Poder Público com base na Lei nº. 13.019/2014 – MROSC nesse momento de pandemia da Covid-19, com informações relevantes em cada uma das etapas de desenvolvimento da relação de parceria: planejamento, seleção e celebração, execução, monitoramento e prestação de contas. Com este material a Plataforma MROSC visa democratizar o acesso ao conhecimento sobre o tema das parcerias entre Estado e OSC e a ampliação do debate público de qualidade sobre a melhoria dos padrões de relacionamento entre Estado e OSC, na resistência e construção de uma nação mais participativa, democrática e plural.
Acesse a cartilha aqui


Sigamos em contato e juntes nas lutas!

Um abraço,

Enéias do Rosa
Secretário Executivo de
Articulação para Monitoramento da DH Brasil
(51) 30129874/981410084
www.monitoramentodh.org.br

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Marcadores: pandemia

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Protestos da oposição mostram que Bolsonaro não domina mais as ruas, dizem pesquisadores

http://www.ihu.unisinos.br/599835-protestos-da-oposicao-mostram-que-bolsonaro-nao-domina-mais-as-ruas-dizem-pesquisadores


As manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), pela democracia e contra o fascismo e o racismo que ocorreram neste domingo (7/6) mostraram que o presidente "não é dono das ruas", avaliam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

A reportagem é de Luiza Franco com a colaboração de Mariana Schreiber, publicada por BBC News Brasil, 08-06-2020.

Grupos que apoiam o governo vêm fazendo desde março manifestações com pedidos pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. O presidente costuma aparecer nos atos, sem repudiar suas mensagens antidemocráticas. Neste domingo, parte da oposição foi às ruas, apesar de a preocupação com o contágio do coronavírus e possíveis conflitos violentos terem dividido esses grupos contrários ao governo. Atos aconteceram em diversas cidades, sendo os maiores em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Alguns opositores do governo argumentavam que confrontos entre manifestantes a favor e contra Bolsonaro poderiam ser usados como motivo para reações autoritárias da parte do governo. No entanto, os atos acontecerem sem grandes conflitos.

Para analistas ouvidos pela reportagem, os atos mostraram que, "se houver embate, vai haver gente na rua defendendo a democracia", nas palavras de Luciana Gross, professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

"O ato foi tímido, seria maior se não fosse a pandemia", avalia Christian Lynch, professor de pensamento político brasileiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Surgiram nos últimos dias iniciativas suprapartidárias em defesa da democracia e contra Bolsonaro, como o movimento "Somos70porcento".

No entanto, isso não significa, segundo eles, que essa oposição esteja coesa. Há uma série de divergências profundas entre os grupos contrários ao governo.

Convocados por movimentos de periferia, ativistas negros, integrantes de torcidas organizadas, estudantes secundaristas, grupos antifascistas e a frente Povo Sem Medo, os atos tiveram duas bandeiras principais: o antifascismo e o antirracismo, com o mote "Vidas Negras Importam", em reação ao assassinato de pessoas negras pela polícia nas periferias brasileiras.

Valter Silvério, professor do departamento de sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e especialista em relações raciais, diz que há uma extensa tradição de lutas do movimento negro que, devido a conjunturas específicas, ganham visibilidade, e é o que acontece neste momento. "As pessoas acham que é novidade, mas não é", resume.

O que ele vê como novidade é a emergência de grupos jovens que se articulam e que podem ter novo papel de liderança.

'Bolsonaro não é dono das ruas'

Para Christian Lynch, da Uerj, Bolsonaro tenta criar a ilusão de que tem "o povo" do seu lado incentivando manifestações a seu favor e usando redes sociais. No entanto, isso vem caindo por terra, opina ele.

"Bolsonaro é um populista de ultradireita. Uma das pedras de toque é vender ilusão de que existe povo verdadeiro contra povo falso. Isso é comum tanto na extrema direita quanto na extrema esquerda. (Ele tenta passar a imagem de que) povo é quem está do lado dele. O resto, a oposição, não é povo. Mas o fato é que cada vez menos gente é arrebanhado pelo governo. A pandemia radicalizou seu grupo, mas unificou o outro lado. E daqui para frente ele vai perder a rua", projeta Lynch.

Isso acontece agora devido às ameaças à democracia e às instituições que o governo vem fazendo, avalia.

Além dos Somos70%, há o movimento Estamos Juntos, lançado no sábado (30) e o Basta!, lançado por advogados e juristas no domingo (31).

Luciana Gross, da FGV, avalia que os protestos foram parte de um esboço de uma reação da oposição. Nos últimos dias, diz ela, "foi possível ver o começo de uma movimentação de vários grupos diferentes entre si, mas que estão chegando no limite de tanto que o presidente ameaça a democracia e as instituições".

Para ela, os protestos que acontecem há dias nos Estados Unidos, após a morte do segurança negro George Floyd por um policial branco, em Minneapolis, deram força a esse movimento no Brasil. "A movimentação antirracista nos EUA sinalizou um esgotamento da população frente a lideranças antidemocráticas, contra direitos humanos, autoritárias. Também se sentiu essa força aqui", diz a professora. Além disso, para ela, alguns governos estaduais e prefeituras já ensaiam uma flexibilização das regras de quarentena, o que motivou os manifestantes a irem à rua.

Ao contrário do que alguns previam, os atos foram pacíficos. "Todos os atores contribuíram para isso", avalia Gross. "Os movimentos pró-democracia cuidaram dos atos para que não aparecessem infiltrados e pediram responsabilidade para seus manifestantes. Apesar de não estar claro que polícia venha respeitando a hierarquia dos governadores, o governador de São Paulo passou uma orientação e teve uma atenção maior", diz ela.

A Polícia Militar de São Paulo foi criticada depois de manifestação contra o governo na semana passada por ter sido, segundo críticos, mais dura com aqueles que protestavam pela democracia do que com aqueles que se manifestavam a favor de Bolsonaro.

"E além disso, neste domingo o governo pediu para seus apoiadores não irem às ruas, apostando que haveria violência", lembra Gross. Na semana passada, o presidente pediu que seus apoiadores não participem de atos. "Quem luta pela democracia, quer o governo funcionando, quer um Brasil melhor e preza pela sua liberdade, a gente pede que não compareça às ruas nestes dias para que nós possamos, a Força de Segurança, não só estaduais, como a nossa federal, faça seu devido trabalho caso esses marginais extrapolem os limites da lei", disse, em referência a manifestantes contrários ao seu governo.

"Foi um primeiro movimento e pode ser uma gestação para quando acabar o confinamento. É uma primeira articulação da oposição que começou a se organizar. E mostrou que a rua não é do governo. Se houver embate, vai ter bastante gente defendendo a democracia. Não é que não existisse, estavam cumprindo as regras de isolamento", diz.

Limites da união

Gross acha que é cedo para analisar possíveis consequências dos atos para a oposição e formação de uma frente contra Bolsonaro. No entanto, ela vê possíveis divergências entre os grupos que estavam presentes nos atos hoje e entre aqueles que ensaiam uma frente de oposição mais ampla. "Esse movimento está represado pelo confinamento e por falta de projeto comum", diz ela.

A mobilização deste domingo ganhou força depois que integrantes de torcidas organizadas compareceram à avenida Paulista, em São Paulo, no fim de semana anterior, para protestar em favor da democracia e contra posicionamentos autoritários de Bolsonaro e de parte dos seus apoiadores.

"(As torcidas organizadas tomaram a frente) justamente porque a oposição está desorganizada", diz ela. "Nossas instituições estão em frangalhos desde o começo da Lava-Jato, os partidos estão desorganizados, há um discurso de que política é igual a corrupção. Temos um longo caminho de recuperação."

"Hoje vimos nas ruas de São Paulo três grupos: torcidas organizadas, grupos antirracismo, que deve crescer, e um terceiro em torno de Guilherme Boulos (líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Apesar de estarem ocupando um mesmo espaço, também têm suas próprias pautas, não se juntam necessariamente num mesmo projeto, sem falar naqueles que não foram à rua, como (os movimentos) Juntos, Basta e 70%, que aglomeram setores diferentes da população. É um movimento anti-Bolsonaro, antifascismo e nesse sentido coeso, mas não tem projeto único, e isso é importante", opina ela.

Nessa mesma linha, Lynch, da Uerj, vê a formação de uma frente contra Bolsonaro como uma "coalizão negativa". "Uma coalizão positiva é quando as pessoas se juntam por querer algo em comum. A negativa é quando se juntam para rejeitar. O interesse em comum de todos é se livrar de Bolsonaro", diz ele.

A dificuldade de reunir lideranças de diferentes correntes ideológicas em uma frente ampla contra o governo Bolsonaro ficou clara esta semana também na tentativa de ampliar apoios a manifestos pela democracia.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal liderança do PT e da esquerda brasileira, se recusou a assinar o manifesto do Movimento Estamos Juntos, que teve o apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), do ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (MDB), entre outras lideranças políticas e também da classe artística e intelectual.

Segundo Lula, o texto "tem pouca coisa de interesse da classe trabalhadora".

"Tem muita gente de bem que assinou. E tem muita gente que é responsável pelo Bolsonaro. O PT tem que discutir com muita profundidade, para a gente não entrar numa coisa em que outra vez a elite sai por cima da carne seca, e o povo trabalhador não sai na fotografia", criticou ainda, o ex-presidente.

Racismo

Todas as manifestações tiveram a presença forte de movimentos contra o racismo.

No Rio de Janeiro, este foi o segundo domingo de protesto após a morte de João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, em sua casa, em uma favela de São Gonçalo (RJ), durante uma operação policial.

O sociólogo Valter Silvério, especialista em relações raciais da UFSCar, avalia que este momento pode inaugurar uma nova fase de visibilidade do movimento negro no Brasil.

"A sociedade vem falando de criar uma frente de 'defesa da democracia' de uma forma abstrata. Ninguém é contra fazer uma frente. No entanto, ela não se faz em abstrato, mas a partir de questões concretas. Uma questão que existe no Brasil e que nunca foi compreendida pela esquerda, pelo menos não de forma adequada, é a questão racial. Ela foi acionada nos momentos de democratização do país, mas sempre foi secundarizada no momento em que passam as eleições. O que está sendo colocado agora é que a juventude tem uma informação das gerações passadas das armadilhas colocadas nesses discursos."

Para Silvério, uma potencial novidade no campo político é que "haja uma composição do ponto de vista prático a partir de grupos que nunca foram considerados como agentes de potencial político de organizar politicamente a sociedade brasileira".

Lynch, da Uerj, acredita que circunstâncias recentes deram urgência ao tema do racismo. "O governo Bolsonaro é ofensivo ao combate à discriminação racial. Isso se vê pelo que ele fez com a Fundação Palmares."

Bolsonaro nomeou para presidir a fundação Sérgio Camargo, que minimiza o racismo no Brasil. Nesta semana emergiu a informação de que Camargo chamou movimento negro de 'escória maldita'.

"Isso já sinaliza essa oposição. Mas coincidiu essa política com protestos nos EUA que são anti-Trump e antirracismo e com a morte do menino Miguel. As circunstâncias deram à pauta antirracista uma visibilidade maior. Mas não é só ela que é ridicularizada pelo governo federal. Tem muito mais fregueses aí para engordar essa frente contra o bolsonarismo".

 

Leia mais

  • O Brasil na potência criadora dos negros – O necessário reconhecimento da memória afrodescendente. Revista IHU On-Line, Nº. 517
  • Manifestantes vão às ruas em todo o Brasil em atos contra Bolsonaro
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  • Racismo no Brasil: todo mundo sabe que existe, mas ninguém acha que é racista, diz Djamila Ribeiro
  • A pauta agora (e de muito tempo) é o racismo
  • O Quadro Negro. Artigo de Isaack Mdindile
  • Todas as vidas não importam até que as vidas negras importem
  • A verdadeira face da AmeriKKKa: uma crítica aos olhares colonizados vindos do Brasil
  • Adversários se aproximam em campo anti-Bolsonaro
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  • A resistência ao fascismo tabajara. Artigo de Luiz Werneck Vianna
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quarta-feira, 3 de junho de 2020

‘Você nem parece gente’: empregadora é investigada por manter doméstica filipina trancada por 8 meses

https://reporterbrasil.org.br/2020/05/voce-nem-parece-gente-empregadora-e-investigada-por-manter-domestica-filipina-trancada-por-8-meses-sem-folga-e-sob-ameacas/


‘Você nem parece gente’: empregadora é investigada por manter doméstica filipina trancada por 8 meses, sem folga e sob ameaças

Por Piero Locatelli | 29/05/20

Proibida de sair e vigiada por câmeras, filipina afirma ter sido obrigada a trabalhar sem descanso e sem folga por funcionária do consulado dos Emirados Árabes em São Paulo. Caso pode ser considerado tráfico de pessoas e trabalho análogo à escravidão

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Ilustração: Vitor Flynn

“Eu estou te pagando, te dando comida. Você é meu brinquedo e obedecerá a todos os meus comandos.” A empregada doméstica filipina Christine (nome fictício) lembra das frases que sua patroa lhe dizia para resumir o que viveu desde agosto do ano passado, quando chegou a São Paulo. Durante oito meses, ela diz que foi mantida presa em dois apartamentos próximos à avenida Paulista por Nadya Saeed Khalfan Dhuhai Alhameli, funcionária de alto escalão do consulado dos Emirados Árabes Unidos em São Paulo.

Trazida para o Brasil sem que soubesse para onde estava vindo, a filipina de 26 anos contou à Repórter Brasil que sofreu agressões físicas e verbais, foi proibida de sair do apartamento e obrigada a trabalhar em uma jornada exaustiva, sem nenhum dia de folga. Seu salário era pago no exterior e seu passaporte foi retido pela empregadora. 

O caso pode vir a ser enquadrado como tráfico de pessoas e trabalho análogo ao escravo. Auditores-fiscais do trabalho do Ministério da Economia estão investigando a história de Christine para averiguar a possível ocorrência desses crimes. Até o momento, a fiscalização constatou problemas trabalhistas. “A empregadora não registrou a trabalhadora, não pagou o seu salário conforme é previsto na CLT e não fez qualquer registro de jornada”, diz a auditora-fiscal Livia Ferreira, coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo na Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo.

“É uma imigrante que não fala português, diante de uma empregadora que não cumpriu a legislação trabalhista. Isso aumenta em muito a sua vulnerabilidade”. Os auditores informaram ao Ministério Público Federal sobre o caso, que abriu um procedimento para investigá-lo em sigilo.

‘Se eu cortasse uma cebola errado, ela ficava doida e começava a gritar, dizia que eu era burra, estúpida’, lembra a filipina

A história de Christine não é a primeira de violações trabalhistas envolvendo empregadas filipinas em São Paulo. Em 2017, trabalhadoras trazidas pela agência Global Talent foram encontradas em situação análoga à escravidão, conforme revelou a Repórter Brasil. No ano seguinte, a Justiça do Trabalho condenou os diretores da empresa a pagarem R$ 2,8 milhões.

Procuradas, as advogadas de Nadya Alhameli, Tammy Mikaelian e Daniella Mikaelian, não responderam às acusações feitas por Christine à reportagem. Elas apenas afirmaram que sua cliente “repudia e nega as acusações direcionadas à Fiscalização do Trabalho” (leia a íntegra da nota enviada). A Repórter Brasil também procurou diversas vezes o consulado dos Emirados Árabes Unidos, sem resposta.

Jornada exaustiva e vigiada

Desde agosto de 2019 até abril deste ano, quando conseguiu fugir, Christine conta que era obrigada a trabalhar o tempo todo, mesmo quando sua empregadora estava fora de casa. Câmeras instaladas no apartamento eram monitoradas pela patroa, que dava ordens pelo celular. “Toda vez que ela me via na câmera, dizia para eu me mexer. Eu trabalhava todo o tempo em que ela estava acordada”, lembra a filipina.

Christine conheceu Alhameli nos Emirados Árabes. Mãe solo, deixou seus dois filhos na casa dos pais em Zambales, província no interior das Filipinas, e foi trabalhar no Golfo Pérsico em busca do sustento deles.

Uma agência de trabalho pagou suas passagens e prometeu que ela trabalharia como operadora de caixa, o que nunca aconteceu. Uma semana após Christine chegar à cidade de Ajmã, Alhameli pagou 9 mil dirhams (equivalente a cerca de R$ 13 mil) à agência. A empregadora prometeu ainda que pagaria 1,5 mil dirhams por mês à Christine (R$ 2,2 mil), e mais 500 dirhams (R$ 730) caso ela aprendesse a fazer comida árabe. Disse que ela trabalharia 8 horas por dia e teria um dia de folga por semana.

Mas as promessas não foram cumpridas. A filipina conta que começou seu confinamento forçado no país árabe. Ficou trancada em um cômodo da casa da família de Alhameli, na cidade de Abu Dhabi. Atrás da porta fechada, só havia um banheiro e uma cozinha, sem acesso aos outros cômodos da casa. 

‘Toda vez que ela me via na câmera, dizia para eu me mexer. Eu trabalhava todo o tempo em que ela estava acordada’

A desculpa usada por Alhameli para manter Christine trancada era a de que os três homens da casa poderiam praticar violência sexual contra ela. Dizia que a situação era temporária, e que em breve elas iriam juntas para outro lugar. À espera de uma mudança, Christine aceitava a situação.

Três meses depois, a empregadora trouxe Christine para o Brasil. A filipina chegou legalmente ao país graças a um visto de cortesia concedido pelo Itamaraty, destinado aos trabalhadores domésticos de missões estrangeiras. Segundo documentos obtidos pela Repórter Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação, o visto foi concedido pelo Ministério das Relações Exteriores em junho de 2019 e renovado em março deste ano.

Chegada ao Brasil

Christine chegou em São Paulo em 18 de agosto de 2019. Logo após sair do aeroporto, a filipina foi obrigada a entregar seu passaporte para a empregadora. Nos 250 dias seguintes, Christine permaneceu a maior parte do tempo trancada nos dois apartamentos onde a funcionária do consulado morou, ambos próximos à avenida Paulista.

Dentro deles, Christine não podia fazer perguntas e era obrigada a seguir ordens sem questionar. “Ela dizia: ‘você não tem o direito de perguntar nada. Não pergunte, não pergunte’, era sempre assim”, lembra. “Senhora, aonde vamos? ‘Não pergunte’. Senhora, o que devo fazer? ‘Não pergunte’.”

As agressões eram constantes e tinham origem nos motivos mais banais. Em um dia, uma pizza queimada foi o motivo para que Alhameli  empurrasse Christine contra a parede. Em outro, um gengibre picado no lugar de um alho fez com que Nadya ameaçasse agredi-la com uma tábua de cozinha. “Se eu cortasse uma cebola errado, ela ficava doida. Ela transformava as coisas pequenas em coisas grandes e começava a gritar”, lembra Christine. “Ela só gritava, dizia que eu era burra, estúpida”.

Enquanto passava por essas situações, Christine nunca viu a cor do dinheiro. Parte do seu salário era depositado diretamente dos Emirados Árabes para uma conta nas Filipinas. Já o pagamento adicional, prometido caso ela fizesse comida, jamais foi recebido.

Em SP, filipina nunca saia à rua 

Se nos Emirados Árabes a porta trancada era justificada pela possibilidade de abusos, em São Paulo a desculpa era a segurança. “Às vezes eu perguntava se podia sair, mas ela me dizia que só estava me deixando em segurança, porque o Brasil era muito perigoso”, lembra Christine em entrevista à Repórter Brasil.

‘Você não tem cérebro, você não raciona, você nem parece gente’, era uma das agressões ouvidas pela funcionária

A filipina jamais havia pisado na calçada em São Paulo até o dia da fuga, e conta que suas únicas saídas eram aos domingos – de dentro da garagem para dentro de um supermercado, que ela nem sabe onde fica. Christine só saia de casa junto à patroa e dentro de um carro do consulado, que as buscava na garagem do prédio.

No caminho do mercado, Christine era abusada verbalmente por Alhameli. “Ela explodia de maneira absurda. Gritava ‘você não tem cérebro, você não raciona, você nem parece gente’”, lembra Daniel Brass, ex-motorista do consulado que acompanhava as duas nas compras.

Medo de abuso sexual

Christine decidiu fugir quando a empregadora disse que iria voltar aos Emirados Árabes por conta da pandemia do coronavírus e iria deixar Christine na casa de um amigo. O medo de sofrer abusos sexuais motivou a doméstica a fugir. De todas as maneiras que podia, tentou buscar contato com o mundo exterior. Sem conhecer nenhuma outra filipina no Brasil, ela conseguiu contato com o consulado do país em São Paulo pelo Facebook. 

Christine conseguiu pegar a chave quando Nadya foi dormir, na noite do dia 23 de abril. Saiu pela porta somente com a roupa do corpo e com o seu celular, sem cobertura. Na esquina de casa, encontrou uma conterrânea com quem havia conseguido contato, intermediado pelo consulado das Filipinas. Já Alhameli viajou no dia seguinte para os Emirados Árabes, deixando as coisas de Christine para trás.

Christine disse que não sente vontade de permanecer no Brasil e quer retornar às Filipinas o quanto antes. Os auditores-fiscais e a Defensoria Pública da União buscam um acordo junto às advogadas da empregadora para que a volta dela seja viabilizada, além do pagamento de verbas trabalhistas e uma possível indenização.

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