sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Fundos abutres: decisões não respeitam os direitos humanos

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carta maior


Fundos abutres: decisões não respeitam os direitos humanos

Grupo de especialistas concluiu que as decisões da justiça norte-americana favorecem condutas que levam à violação dos direitos humanos.


Martín Granovsky
Asoma / Flickr
As decisões da Justiça norte-americana em benefício dos fundos abutre, nos processos movidos contra a Argentina, representam “um retrocesso para a reestruturação da dívida e afetam também as atuais negociações para estabelecer um mecanismo internacional de reestruturação das dívidas soberanas”. Essa é uma das conclusões do informe elaborado pelos especialistas encabeçados pelo suíço Jean Ziegler, a pedido do Comitê Assessor especial, criado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
 
Como não se trata somente de uma questão moral, mas sim prática, os especialistas sugerem que exista uma legislação dirigida claramente a conseguir o respeito dos direitos humanos por parte dos fundos abutre domiciliados num território ou jurisdição.
 
“Os Estados deveriam aplicar as leis regulatórias voltadas ao mundo empresarial com o fim de persuadir os fundos abutre para que respeitem os direitos humanos”, sustenta o documento completo escrito por Ziegler e sua equipe, de 27 páginas, em inglês, que contém um registro da atividade dos abutres e explica como essa atividade pode violar os direitos humanos. É um primeiro texto, surgido da resolução do Conselho de Direitos Humanos, de setembro passado. A Argentina trabalhou para instalar o problema através do seu embaixador nos organismos internacionais com sede em Genebra, o ex-vice chanceler, Alberto D’Alotto.
 
Ziegler, de 81 anos, é um dirigente político socialista já veterano. Entre 2000 e 2008, foi relator especial da ONU para o Direito à Alimentação. Se tornou famoso nos últimos 30 anos por suas investigações sobre casos de lavagem de dinheiro no sistema financeiro de seu próprio país.
 
Segundo o texto, as sentenças criaram um “precedente perigoso, porque penalizaram os credores que participaram nas negociações da dívida” e seu cumprimento afetaria os progressos realizados pela Argentina em políticas sociais, com um aumento da participação no PIB de 9,5% em 2003 a 15,5% em 2015, considerando saúde, educação, segurança social e habitação.
 
A parte positiva dessas decisões (“resultado inesperado”, pelo que define o documento) é que geraram um apoio “amplo e sólido” à postura argentina contra os fundos abutre.
 
O parágrafo C do documento está dedicado ao processo da NML Capital Ltd., de Paul Singer, com sede nas Ilhas Cayman, contra a Argentina. O trabalho constata que depois do “colapso catastrófico do 2001”, entre 2005 e 2010, a Argentina chegou a acordo com 92% dos seus credores, quitando cerca de 70%. Antes do colapso, o fundo abutre NML comprou títulos no mercado secundário. Pagou 48,7 milhões para adquirir bonos que renderiam 220 milhões de dólares. Inclusive dentro do total dos credores os abutres são uma parte ínfima: 1,6%.
 
O ponto 35 do texto levanta um alarme pela decisão do juiz estadunidense Thomas Griesa, que privilegiou o direito de alguns credores sobre outros, interpretando de outro modo o tradicional princípio equitativo do pari passu – condições iguais. As consequências estão definidas no documento como “impactantes”, porque foi exigido da Argentina o pagamento total dos abutres antes de abonar o que vem sendo depositado aos demais credores, os que já negociaram. “Não é surpreendente que essa decisão tenha sido amplamente questionada, inclusive pelo próprio governo dos Estados Unidos”, diz o texto. Também há uma descrição do magnata Singer, lembrando ser ele o maior doador para as campanhas dos republicanos George W. Bush e Mitt Romney, o que lhe deu “um enorme poder de influência e uma capacidade especial de obter cooperação legal e política para suas operações”.
 
Um dos problemas que a equipe de Ziegler detectou é que não existe um regime jurídico internacional para os casos de insolvência ou bancarrota de Estados.
 
“Quando um Estado entra em default de suas dívidas soberanas, é obrigado a começar, a partir de sua própria iniciativa, um processo de reestruturação da sua dívida externa, com complexas negociações, com uma variedade enorme de tipos de credores, incluindo os credores privados comerciais”, diz um dos artigos.
 
A participação nesses processos de negociação é voluntária, o que leva a que certos credores possam decidir que não participar da renegociação, porque apostam num pagamento maior. Aqui é onde entram em jogo os fundos abutre, que buscam como resultado final um lucro maior, após evar o Estado à Justiça. Para isso, naturalmente, se aproveitam ao máximo das falhas do sistema.
 
Cephas Lumina, que foi um dos analistas independente na questão dos efeitos da dívida consultado pelos investigadores, insistiu na tese de que os abutres exercem pressão política. Muitas vezes, os fundos compram títulos que se debilitam ou que pertencem a países que estão prestes a entrar em default. Por isso são abutres. Não são agiotas, e sim compradores no mercado secundário. “Se chamam abutres porque são predadores”, define.
 
São predadores porque atacam a dívida soberana de Estados com economias desarticuladas e uma capacidade de defensa mais frágil. Segundo o Banco Mundial, pelo menos 26 fundos abutres agrediram um terço dos Estados que são destinatários naturais de medidas de alívio da dívida ou de ajudas no combate contra a pobreza.
 
Os predadores “se beneficiam da falta de transparência e de controle do mercado secundário”, onde há grandes descontos e não rege a obrigação de informar nada ao Estado devedor. A dívida é soberana, mas aparece tratada de maneira oculta.
 
Os abutres tentam evitar os processos de reestruturação ordenada e procuram pressionar uma nação debilitada a aceitar um acordo em condições desvantajosas. Para isso, precisam convencê-la de que um processo longo será caro e supõe manter um litígio com uma contraparte muito agressiva. Foi o que ocorreu com Grécia em 2012, quando, em meio a uma situação política instável, concordou em pagar, de forma privilegiada, o fundo Dart Management, com sede nas Ilhas Cayman.
 
Os predadores não buscam somente cobrar mais que os negociadores. Querem também o valor total, mais juros e correção monetária. Há registros de dinheiro cobrado em seis anos, com lucros anuais entre 50 e 333%, resultado que pode complicar as reservas de um país. Os abutres costumam escolher “jurisdições amigáveis para os credores” (o texto as define como creditor friendly jurisdictions) como os Estados Unidos e o Reino Unido, embora também iniciem litígios em muitos dos países devedores.
 
Os abutres apelam ao lobby e “organizam campanhas midiáticas para desacreditar os Estados devedores e forçar os governos a pagar”. Também podem interceptar bens em terceiros países. Em 2005, a Suprema Corte britânica permitiu que o fundo abutre Kenington International Limited bloqueou fundos da República do Congo, provenientes das vendas de petróleo, para cobrar 39 milhões de dólares de dívida.
 
Os predadores maximizam seus lucros em níveis altíssimos. Alcançam de três a 20 vezes o seu investimento. O retorno é de 300 a 2000%, como no caso de Elliott Associates L. P. no Peru, em 1996, onde 11 milhões em títulos comprados se transformaram, quatro anos depois, em 58 milhões de dólares. Em alguns exemplos, segundo o Fundo Monetário Internacional, as demandas chegam a um equivalente a 12 ou 13% do PIB de um país. Além disso, como a maioria dos fundos abutre funcionam em paraísos fiscais com segredo bancário, podem cometer sonegação fiscal sem ter a obrigação de informar sobre os benefícios ou dados dos proprietários.
 
Os especialistas chegaram a um diagnóstico depois de estudar os casos das últimas décadas, que são 120 entre 1976 e 2010, contra 26 Estados, considerando somente os processos sediados nos Estados Unidos e no Reino Unido. “Como eles têm 72% de sucesso nos casos, é provável que as demandas iniciadas pelos fundos abutre proliferem no futuro.”
 
A probabilidade de que em litígio em casos de dívida soberana passou de 10% nos Anos 80 a 40% nos últimos anos, o que pode fazer com que países como a República Democrática do Congo, mesmo depois de passar por 40 anos de ditadura, não possam melhorar as condiciones de sua população, num país onde 80% dos cidadãos vive com menos de dois dólares por dia.
 
Tradução: Victor Farinelli

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