quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Os orixás protegem

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Os orixás protegem

A polícia ainda não tem nenhuma pista da autoria do incêndio criminoso no terreiro de candomblé Kwe Cejá Gbé – A Casa do Criador – da mãe de santo Conceição d’Lissá, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O crime ocorreu em 26 de junho, durante a madrugada, e foi registrado na 62ª Delegacia de Polícia, em Imbariê, distrito do subúrbio carioca. O fogo atingiu o segundo andar da casa e destruiu teto, móveis, eletrodomésticos, roupas de santos e de integrantes do terreiro.
A reportagem é de Paulo Cezar Soares, publicado ppr CartaCapital, 12-08-2014.
Não é a primeira vez que Maria da Conceição Cotta Baptista, de 53 anos – Conceição d’Lissá – é vítima de ataques. Ela administra o centro em Caxias há 18 anos. E as agressões começaram há cerca de oito. “Já atearam fogo no meu carro, que na época estava quebrado e parado dentro do barracão. E dispararam tiros contra a minha casa e no portão do barracão. Deram nove tiros.” Equilibrada, ela evita apontar suspeitos. Cabe à polícia, afirma, descobrir quem cometeu o incêndio e os outros ataques.
O centro, segundo a mãe de santo, não possui um número fixo de frequentadores. Mais de 50 filhos de santo trabalham para o terreiro. Revezam-se nos trabalhos. A maioria iniciou-se no candomblé pelas mãos de Conceição d’Lissá e trabalha na preparação dos eventos. Em janeiro é realizada a festa de Olissa. Em maio, a de Oxum. Em junho, a de Ogum, e em setembro, a de Bessem.
Segundo o delegado Davi dos Santos Rodrigues, a polícia esteve no local duas vezes, na tentativa de conseguir testemunhas. Sem sucesso. No comando da delegacia desde fevereiro deste ano, Rodrigues é evangélico, integrante daIgreja Sara Nossa Terra. Todas as hipóteses, garante o delegado, estão sobre a mesa. “Em princípio, a questão é deintolerância religiosa. Mas pode ser outra coisa. Estamos fazendo um levantamento de quantos centros de umbanda ecandomblé existem na região para verificar se sofreram ataques nos últimos três anos.”
Para Conceição d’Lissá, o Brasil precisa de uma lei para limitar o poder de rádios e tevês que veiculam programas evangélicos contrários às religiões de matriz africana. “Não há espaço de resposta. O poder que eles detêm é incomensurável.” Ela também reclama da internet, usada para veicular conteúdos ofensivos ao candomblé e à umbanda. Em maio, entidades defensoras do diálogo entre as religiões cobraram das autoridades a retirada de 16 vídeos na internet que atacam a cultura afro.
A mobilização ocorreu após o juiz da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Eugênio Rosa de Araújonegar a exclusão dos vídeos. A umbanda e o candomblé não seriam religiões, alegou o magistrado, pois não contêm um texto-base, a exemplo da Bíblia, uma estrutura hierárquica, um Deus a ser venerado. Uma decisão superior da Justiça modificou, no entanto, a decisão de primeira instância e ordenou a retirada do material. “Eu vi os vídeos. Eles demonizam as religiões afro, aumbanda e o candomblé. Cenas dantescas. Uma incitação à violência”, assegura o deputado estadual Carlos Minc, presidente da Comissão Contra o Racismo, a Homofobia e a Intolerância Religiosa da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Em relação ao incêndio no terreiro de Conceição d’Lissá, o deputado lembra quando ela ligou e relatou o ocorrido. Segundo ele, a informação foi repassada no mesmo instante ao chefe da Polícia Civil. “Fernando da Silva Veloso estava na Assembleia Legislativa, sentado à minha frente, acompanhando uma votação. Ele ligou para a delegacia e pediu providências”, recorda o parlamentar.
Para o presidente do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, o babalaô Ivanir dos Santos, chama a atenção, no caso da mãe de santo, para o fato de as agressões serem persistentes. “Não é a primeira vez. Se as medidas tivessem sido tomadas anos atrás, pode ser que tivessem cessado. A polícia tem de ser mais rigorosa nas suas investigações. O crescimento de alguns setores neopentecostais, que em vez de pregar o amor pregam a demonização, estimulam esses atos de intolerância. Isso é inegável.”
Ivanir dos Santos é um dos precursores das caminhadas anuais contra a intolerância religiosa realizadas no Rio de Janeiro, todo terceiro domingo de setembro. A 7ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa – Caminhando a Gente se Entende – será em 21 de setembro, na Orla de Copacabana, zona sul da capital fluminense.

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