sexta-feira, 18 de julho de 2014

Etnia indígena desconhecida da Amazônia faz primeiro contato e corre riscos

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Etnia indígena desconhecida da Amazônia faz primeiro contato e corre riscos

Marcela Belchior
Adital
A Fundação Nacional do Índio (Funai) informou que, no último dia 29 de junho, um povo indígena que vive isolado na Selva Amazônica brasileira estabeleceu contato pela primeira vez com indígenas Ashaninka, da Aldeia Simpatia, e com funcionários do órgão. A comunicação ocorreu na Terra Indígena Kampa e Isolados do Alto Rio Envira, no Estado do Acre, próximo à fronteira com o Peru. A Funai não publicou fotos do encontro.
Segundo a Fundação, o contato se deu com a equipe da Frente de Proteção Etnoambiental Envira (FPE Envira) e com o sertanista José Carlos Meirelles, membro da Assessoria Indígena do Governo do Acre. Em nota, o órgão afirma que a Frente vinha acompanhando a aproximação dos índios isolados desde o último dia 13 de junho e que a permanência do grupo na região ocorre de forma pacífica. Líderes da tribo Ashaninka, que divide o território com essa tribo e outras também isoladas, teriam pedido ajuda ao governo e a organizações não governamentais (ONGs) para controlarem o que eles considerariam "invasão” de suas terras.
No momento, a equipe da FPE Envira, juntamente com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), do Alto Rio Juruá/Secretaria Especial de Saúde Indígena, está na área para dar início ao Plano de Contingência para Situações de Contato. Os funcionários da Funai encontram-se no local levantando informações por meio de intérpretes, para que haja maior conhecimento desse grupo indígena recentemente distinguido. A quantidade de membros da tribo desconhecida pela Funai é incerta.
O órgão comunica que a Política de Proteção aos Índios Isolados da Funai tem a premissa do não contato, respeitando a autodeterminação dos povos e realizando o trabalho de proteção territorial com a presença destes. No entanto, são previstas ações de intervenção (planos de contingência) quando o grupo indígena isolado procura estabelecê-lo.
Segundo Leonardo Lenin, membro da Coordenação Geral de Índios Isolados da Funai, em entrevista ao portal Amazônia real, o que se realiza na política do não contato é proteção territorial. Isso se faz por meio de um trabalho no entorno, observando como o grupo isolado impacta a ocupação territorial dos Ashaninka, tentando compensar problemas, mitigar relações e sensibilizar o grupo já assentado para a proteção dos índios isolados. Outra medida importante é garantir a proteção da saúde desse povo ainda não conhecido. "Esses grupos podem sofrer decréscimo populacional por doenças que eles não adquiriram ainda”, alerta Lenin.
De acordo com a organização Survival Internacional, organização que trabalha pelos direitos dos povos indígenas em todo o mundo, os índios isolados fizeram contato por conta do alastramento da extração ilegal de madeira nas terras e do narcotráfico. Isso provocou sua aproximação com a aldeia assentada Simpatia, dos Ashaninka, chegando a saquear a tribo, levando consigo panelas e facões das malocas indígenas.
O diretor da Survival, Stephen Corry, afirmou, em reportagem da organização: "Tanto o Peru como o Brasil garantiram que parariam a exploração madeireira ilegal e o tráfico de drogas que estão empurrando índios isolados para novas áreas. Eles fracassaram. Os traficantes até ocuparam um posto de guarda do governo destinado a monitorá-los. Os índios isolados agora enfrentam o mesmo risco genocida de doenças e da violência, que caracterizou a invasão e ocupação das Américas durante os últimos cinco séculos. Ninguém tem o direito de destruir esses índios”.
Segundo a revista Carta Capital, o clima ficou tenso entre os índios "desconhecidos” e os Ashaninka, levando o Governo do Acre a realizar uma operação de segurança com apoio do Exército e da Polícia Federal na fronteira. Em nota divulgada no último dia 17 de junho, o governo informou que a chamada "Operação Simpatia” consistiu em averiguar as ameaças que a comunidade recebia dos índios isolados.
Em entrevista à Adital, Gil Rodrigues, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), avalia com cautela esse primeiro contato. "Porque isso pode causar muitos prejuízos, como a perda de membros desse povo”, afirma. Ele diz preocupar-se com a falta de um plano de trabalho que norteie a comunicação da Funai nesse caso e em situações anteriores.
Rodrigues opina que seria mais prudente atuar na garantia de proteção territorial, preferindo a Funai estabelecer contato com os responsáveis pelo avanço da extração de madeira, além do governo peruano, e não com a tribo indígena. "São esses territórios que garantem sua sobrevivência”, destaca. Segundo o indigenista, esse tipo de situação tem se expandido na área. "Inclusive, temos feito várias denúncias para que a Funai possa ter um olhar mais sensível para aquela região. E isso tem um agravante por ser zona de fronteira”, aponta.
Os Ashaninka e outros grupos
Na aldeia Simpatia vivem, hoje, pelo menos 70 índios Ashaninka, sendo a maioria deles mulheres e crianças. A comunidade está localizada na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira, regularizada pela Funai com 232.795 hectares. Na reserva existem seis aldeias Ashaninka, onde moram 420 índios da etnia. Os indígenas Ashaninka pertencem à família linguística Aruak (ou Arawak).
Na região do Alto Envira, da fronteira com o Peru, conhecida como Paralelo 10, em 30 anos de pesquisas, três grupos de índios isolados foram avistados, denominados pela Funai como o povo da cabeceireira do Riozinho, o povo do Rio Xinane e o povo do Rio Humaitá. Há um quarto grupo isolado no Acre, que é denominado pelo órgão de Mashco-Piro. Com o contato na aldeia Simpatia, a Fundação tenta qualificar os índios desconhecidos por meio de intérpretes, para que haja maior conhecimento do grupo e sua língua.
Saiba mais sobre índios isolados no Brasil
- A Amazônia brasileira é o maior reduto de tribos indígenas isoladas no mundo, com estimativa de abrigar 77 grupos.
- No Estado do Acre, estima-se que existam cerca de 600 índios pertencentes a quatro grupos diferentes.
- A postura dessas tribos de não manter contato com outros povos indígenas e não-índios pode ser resultado de anteriores encontros negativos e da contínua invasão e destruição de sua floresta.
- Grupos isolados que vivem no Estado do Acre são provavelmente sobreviventes do ciclo da borracha, quando muitos índios foram escravizados para explorar a matéria-prima do local.
- Nada ou pouco se sabe sobre esses povos isolados. Alguns deles já dispararam flechas contra pessoas estranhas às tribos e contra aviões ou simplesmente evitam contato, recolhendo-se floresta adentro.
- Alguns grupos isolados beiram à extinção, com apenas alguns indivíduos restantes. Pequenos grupos que vivem principalmente nos Estados de Rondônia, Mato Grosso e Maranhão são sobreviventes da grilagem de terras, quando foram alvejados e mortos por madeireiros, fazendeiros e outros. Hoje, eles ainda são deliberadamente caçados e suas florestas estão sendo rapidamente destruídas.
- Grandes projetos de construção de hidrelétricas e estradas, que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo brasileiro, representam graves ameaças. As represas de Jirau e Santo Antônio, em construção no rio Madeira, Rondônia, estão muito próximas de vários grupos de índios isolados.
- Relatório recente aponta que os índios estão abandonando suas terras devido ao barulho e à poluição das obras de construção das hidrelétricas.
- Todos são extremamente vulneráveis a doenças como gripe ou resfriado, que são transmitidas por pessoas de fora e para as quais os índios não apresentam resistência imunológica.
Fontes:Survival Internacional.

Marcela Belchior

Jornalista da ADITAL

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