sexta-feira, 14 de março de 2014

Terrorismo oficial

boitempo
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Terrorismo oficial

“Repressão policial / Instrumento do capital / Repressão Policial / Terrorismo Oficial” (Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos)
Protesto do dia 22 de fevereiro de 2014 em São Paulo: mil manifestantes, mil policiais! (segundo versão da própria polícia). Eis os personagens e o cenário.
PRIMEIRA CENA
A manifestação seguia pacífica pelas ruas da “cidade nova”, ou seja, as ruas de traçado regular das imediações da Praça da República. Num átimo, os policiais cercaram a vanguarda da passeata. Isolaram, espancaram e prenderam 230 pessoas. Depois da correria provocada pela polícia outros manifestantes indignados quebraram vidraças de bancos da região.
Significa que a PM prendeu quase um quarto dos manifestantes! Literalmente, ao arrepio da lei, a PM simplesmente proibiu a manifestação, um direito constitucional. Mas há direitos na nossa democracia racionada? Só para alguns.
SEGUNDA CENA
Um jovem grita a um PM: “Tira a farda e vem na mão”! Afinal, o que espanta na PM não é sua truculência já que ela foi criada pela Ditadura Militar; nem as ilegalidades cometidas, já que ela foi criada pela Ditadura Militar; e nem o prazer em torturar, humilhar, chutar uma menina de 18 anos no chão etc etc, já que ela foi criada pela Ditadura Militar. O que espanta é a covardia! Bem, ela foi criada pela Ditadura Militar… 
CENA DERRADEIRA
Delegacia de polícia no bairro da Liberdade, ou seja, na “cidade velha”, cheia de ruas tortuosas e rotas de fuga. Na porta, alguns PMs conversam, animadamente. Um conta como deu uma “gravata” num estudante. Já dentro da delegacia jovens sentados no chão. Dois deles são menores. Mas também estão ali. Eles estão imobilizados debaixo de uma escada. Uma delegada grita descontrolada. Só se “acalma” depois da chegada dos poucos e solidários advogados ativistas e, especialmente quando o único deputado com coragem de defender manifestantes aparece por ali: Adriano Diogo (PT-SP). Ele é da comissão da verdade, criada por causa da Ditadura militar…
PRÓXIMO ROTEIRO, SINOPSE
A PM acredita que convocando os “líderes” de uma manifestação anterior exatamente na hora do protesto e aumentando o número de presos, as manifestações vão parar. Ledo engano. Esta foi a tática empregada na Ditadura Militar, quando as manifestações foram proibidas e a luta armada posterior massacrada.
Mas ao contrário do que diz o terrorismo parlamentar e midiático não há luta armada no Brasil. Os manifestantes, mesmo os chamados black blocs não usam violência. São resultado dela. Qualquer pessoa “suburbana” sabe a diferença entre estilingues, chutes em vidraças e um tiro de verdade. Todo mundo sabe que os “mascarados” presos no Rio de Janeiro só o foram porque não estavam… mascarados.
A diferença agora é que a composição de classes do país mudou, a exigência de violação de direitos necessária para extrair energia e matérias primas do Brasil aumentou e a resistência inesperadamente também. Dessa vez, não bastará atacar coletivos de jovens organizados.
Na periferia “desorganizada” as pessoas também se levantam. O desespero da PM está apenas mal direcionado. O que ela não suporta não é a perda de prestígio. Isso ela nunca teve. O que a corporação militar não suporta é que doravante nenhum policial matará impunemente sem que haja um levante ateando fogo em tudo.
Mais de uma geração de pessoas pobres no Brasil cresceu com medo e ódio da polícia. Agora estão perdendo o medo. Sobra o ódio. 
O CORO DO TERROR
No teatro da política vozes mal ensaiadas são ouvidas. Unem-se num mesmo coro parlamentar os deputados de governo e oposição. Todos unânimes contra o “terror”. É que para eles um cassetete nas costas de um ser humano dói infinitamente menos do que o ruído de uma vidraça estilhaçada.
Se os nossos doutos parlamentares advogados da lei contra o terrorismo temem uma escalada de violência verdadeira, façam o que sempre fizeram. Imitem os países “desenvolvidos”. Eliminem a PM, pois ela não existe em nenhum lugar para onde eles costumam viajar em férias.
Diante do impasse de nossa democracia racionada o governo deveria dar um passo adiante, aumentar os direitos e não restringi-los. A Revolução Brasileira, entendida apenas como o conjunto de reformas profundas que os jovens exigem na atualidade, pode ser canalizada para um Estado de Bem Estar real. A isso Florestan Fernandes chamava “revolução dentro da Ordem”, embora nosso velho mestre preferisse a Revolução Contra a Ordem. Aquela que vai até o fim e até o fundo em suas tarefas históricas e engendra o socialismo.
UM AFORISMO
Na manifestação conta-se que um policial machucou o braço. Se o cérebro não age, o braço quebra (de tanto bater).
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Leia também O direito à violência e A Lei é o crime na coluna de Lincoln Seccono Blog da Boitempo!
Chega às livrarias este mês a coletâneaIntérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados, organizada porLincoln Secco e Luiz Bernardo Pericás! 27 ensaios sobre Antonio Candido, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Paulo Freire, Milton Santos, Astrojildo Pereira, Câmara Cascudo, Jacob Gorender, Ruy Mauro Marini, Maurício Tragtenberg, entre outros pensadores críticos do Brasil.
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Lincoln Secco é um dos autores do livro Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil, com o qual colabora com o texto “As Jornadas de Junho”. Trata-se do primeiro livro impresso inspirado nesses megaprotestos, com textos de autores nacionais e internacionais como Slavoj Žižek, David Harvey, Mike Davis, Raquel Rolnik, Ermínia Maricato, Mauro Iasi, Silvia Viana, Ruy Braga, Lincoln Secco, Leonardo Sakamoto, João Alexandre Peschanski, Carlos Vainer, Venício A. de Lima, Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira. Paulo Arantes e Roberto Schwarz assinam os textos da quarta capa. O livro também conta com um ensaio fotográfico do coletivo Mídia NINJA e ilustrações sobre as manifestações de Laerte, Rafael Grampá, Rafael Coutinho, Fido Nesti, Bruno D’Angelo, João Montanaro e Pirikart, entre outros.
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Cidades Rebeldes_JornadasLeia também A guerra civil na frança e Anatomia do Movimento Passe Livre de Lincoln Secco. Confira a cobertura das manifestações de junho no Blog da Boitempo, com vídeos e textos de Mauro Iasi, Ruy Braga, Roberto Schwarz, Paulo Arantes, Ricardo Musse, Giovanni Alves, Silvia Viana, Slavoj Žižek, Immanuel Wallerstein, João Alexandre Peschanski, Carlos Eduardo Martins, Jorge Luiz Souto Maior, Dênis de Moraes e Edson Teles, entre outros! 
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Lincoln Secco é professor de História Contemporânea na USP. Publicou pela Boitempo a biografia de Caio Prado Júnior (2008), pela Coleção Pauliceia. É organizador, com Luiz Bernardo Pericás, da coletânea de ensaios inéditosIntérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados, que será lançada no segundo semestre de 2013. Colaborou para o Blog da Boitempo mensalmente durante o ano de 2011. A partir de 2012, tornou-se colaborador esporádico do Blog.

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