segunda-feira, 3 de março de 2014

A guerra no Vale do Ribeira contra uma hidrelétrica

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A guerra no Vale do Ribeira contra uma hidrelétrica

Reprodução/Diário do Centro do Mundo
Prostituição infantil, trabalho análogo a escravo, uso indiscriminado de agrotóxicos e quilombolas mortos em conflitos agrários completam o cotidiano local conhecido como a Amazônia Paulista
28/02/2014
Edson Domingues
No Vale do Ribeira, região com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado de São Paulo, a Companhia Brasileira de Alumínio, CBA, tenta a todo custo transformar seu projeto da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto em realidade. Prostituição infantil, trabalho análogo a escravo – o dia no bananal rende R$ 15,00  –, uso indiscriminado de agrotóxicos e quilombolas mortos em conflitos agrários completam o cotidiano local.
A supressão ilegal de mata atlântica por latifundiários bananeiros, quase sempre às margens dos inúmeros cursos d’água, agrava ainda mais o cenário de assoreamento do Rio Ribeira de Iguape, que no passado foi navegável em quase todo seu percurso. Há ainda passivos ambientais deixados por atividades minerárias, contribuindo com altas dosagens de metais pesados em seus afluentes. Mesmo assim, o Ribeira ainda dispõe de belíssimas paisagens.
Com imensurável patrimônio ambiental, o Vale do Ribeira é tido como a Amazônia Paulista. Com o maior conjunto de mata atlântica contínuo, a região abriga um dos maiores complexos espeleológicos do planeta, intitulado Circuito das Cavernas da Mata Atlântica. Aproximadamente 40 cavernas atraem pesquisadores e praticantes de ecoturismo de todo o mundo. A mais famosa é a Caverna do Diabo, de fácil acesso.
É também no Vale do Ribeira que se concentram 51 comunidades quilombolas, remanescentes do trabalho escravo da mineração no século XVIII, refugiados da região de Iguape. Nestas comunidades, a agricultura de subsistência é prática difundida. Há rica diversidade de manifestações culturais que remetem aos seus ancestrais africanos. Há ainda populações ribeirinhas, posseiros, pequenos agricultores, pescadores e comunidades tradicionais.
A concessão para construção da Usina Hidrelétrica no Rio Ribeira de Iguape pela União é datada de 1988. De lá para cá, a CBA, empresa do Grupo Votorantim, tornou-se uma colecionadora de derrotas, fruto do insistente conflito com a comunidade local.
Concebida para produzir energia para o complexo metalúrgico da CBA, no município de Alumínio, a área destinada para a hidrelétrica está localizada entre os municípios de Adrianópolis (PR) e Ribeira (SP). A proposta contempla ainda outras três hidrelétricas ao longo do Rio Ribeira, mesmo lugar onde Carlos Lamarca estabeleceu seu foco de guerrilha na década de 70. Por curiosidade, na região também está situada a família do Deputado Jair Bolsonaro.
A CBA, ciente da fragilidade do componente econômico e fundiário da região, adquiriu 60% de suas terras com a velha lógica de desrespeito à legislação ambiental, colocando as populações tradicionais como obstáculo e entrave para o progresso. Até agora, 689 famílias foram removidas no processo de compra de terras. Houve redução de renda e o desemprego de meeiros, arrendatários e posseiros. Pastores  neopentecostais vêm angariando fiéis com o discurso da cura e do sucesso financeiro, com apoio de deputados estaduais de São Paulo.
O projeto inicial da Hidrelétrica de Tijuco Alto previa a inundação de áreas de preservação permanente e de comunidades quilombolas. A inundação de terras vizinhas do Ribeira pode levar ao desaparecimento de diversas cavernas, bem como impactar diretamente a zona estuaria da região de Cananéia, onde desagua o Ribeira.
Com a mobilização das comunidades tradicionais e com forte pressão de ambientalistas, o Ministério Público suspendeu a licença prévia em 1999 por considerar o empreendimento passível de licenciamento federal, uma vez que envolve áreas de dois Estados.
Em 2003, o IBAMA ficou encarregado pela nova fase do licenciamento ambiental. A partir de então, a CBA mobilizou um contingente de engenheiros e técnicos para aceleração do processo. Em 2007, após audiências públicas realizadas em vários municípios do Vale do Ribeira, populações ribeirinhas e quilombolas contestaram os estudos de impacto sobre o meio ambiente. Em Maio de 2013, a Fundação Cultural Palmares, instituição pública ligada ao Ministério da Cultura, apresentou parecer favorável a construção de Tijuco Alto, provocando novas manifestações e protestos de comunidades quilombolas.
Por outro lado, a expectativa da população das cidades de Eldorado, Ribeira e Adrianópolis é o progresso com a instalação da obra. Tal perspectiva se dá em alusão ao desenvolvimento econômico das cidades do entorno da hidrelétrica de Itaipu, perspectiva largamente difundida pelos agentes da CBA. Há ainda a ilusão propagada pelos técnicos de que as sucessivas enchentes nos municípios do Vale do Ribeira seriam sanadas com o advento da construção da barragem.
Para o Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens (MAB), o objetivo principal de barragens como a de Tijuco Alto é gerar energia para a indústrias de alto consumo, as chamadas indústrias eletrointensivas. Estas indústrias não só consomem muita energia, mas também se apoderam do meio de produção (água). O MAB ainda aponta para a falsa propaganda da CBA que difunde entre a população local sobre a geração de emprego e renda.
Os conflitos têm passado à margem da ação do governo do Estado. A ausência de assistência médica, dificuldades de acesso, falta de programas de desenvolvimento econômico e o uso recorrente da violência na disputa de terras dilapidam a mais bela região de São Paulo: o Vale do Ribeira.

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