quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Rentabilidade versus direitos humanos

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http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?boletim=1&lang=PT&cod=73870


Rentabilidade versus direitos humanos
 
Alba Sud
Associação catalã especializada em Investigação e Comunicação para o Desenvolvimento fundada em Barcelona em 2002
Adital
Tradução: ADITAL

Por Lina Karlsson - Solidaridad Suecia-América Latina (SAL) / Alba Sud
Os fundos de pensão suecos há anos investem na empresa mineradora canadense Goldcorp, que acumula denuncias pelos impactos causados em suas explorações. Um dos casos mais alardeados é o da mina Marlin, na Guatemala.
Quanto vale uma vida humana? A ideia me vem à cabeça enquanto leio sobre a economia da empresa mineradora canadense Goldcorp. Em sua página web aparecem valores vultuosos. Em 2011, Goldcorp pagou 1.881 milhões de dólares em dividendos. A empresa vai bem. Porém, por que e a custa de quem; isso não é divulgado e os números não revelam. Os fundos de pensão da Suécia investiram 364 milhões de coroas suecas (5.709.516.085 dólares) na Goldcorp, que tem minas na América Central e na América do Sul. Uma delas é a mina Marlin, na Guatemala.
Em 2008 começaram a chegar informações sobre abusos na mina, principalmente sobre a degradação do meio ambiente, enfermidades e ameaças violentas à população(1). Desde então, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e uma série de organizações internacionais começaram a criticar a mina Marlin e pressionaram a Goldcorp para que fizesse melhoras(2). A mesma empresa Goldcorp declara que quer fazer uma mineração responsável. Entre outras coisas, atualmente, financia programas sociais na área ao redor da mina. No entanto, em reportagens publicadas recentemente sobre a região, a população testemunha novas irregularidades (3). Falam sobre ameaças dirigidas contra os que se negam a vender suas terras ou aos que abertamente criticam a mina. Dona Diodora Hernández, uma anciã de San Marcos, é uma delas. Diz que os mineiros a ameaçaram de morte, empunhando arma, porque não quer vender sua terra.
Os fundos de pensões suecos sempre mantiveram seus investimentos na Goldcorp (em espanhol). Justificam isso dizendo que estão em diálogo com a empresa -e que, portanto, podem tentar influir nesta para melhorá-la. O que não percebem é que as melhorias que Goldcorp fez são só aparências. Há uma casca, uma fachada, porém, não há conteúdo. Quando entrevistei recentemente ao líder indígena Daniel Pascual, ele sustentou que as mudanças que a Goldcorp tem feito até o momento são só cosméticas, que nunca podem superar o dano causado às pessoas e ao meio ambiente na área. O impacto negativo permanece. E as ameaças contra os opositores da mina também continuam. O caso é clássico. Novamente o pequeno contra o grande. David contra Golias. E, enquanto a luta continua, o mundo observa sem atuar. Ou olha para o outro lado, fingindo não ver.
De acordó à normativa vigente (espanhol), os fundos de pensão têm que fazer investimentos éticos –porém, somente se não põem em perigo o rendimento. A Goldcorp continuará fazendo muito dinheiro. Os investimentos continuarão tendo lucros. No final, tudo se resume na apresentação de cifras gordas.Penso que é repugnante. E me envergonho de que o governo sueco permita que nossas pensões cresçam a expensas dos direitos humanos. A Goldcorp não é a única empresa criticada na qual os fundos de pensão investiram dinheiro.
Quando os fundos de pensão forem revisados, haverá a oportunidade de mudar as regras. Já é hora de que a Suécia assuma a responsabilidade e deixe claro que a rentabilidade nunca deve ser eleita acima dos direitos humanos e do meio ambiente. As possibilidades de melhorar ainda existem. Tudo é questão de tomar a decisão. Antes tarde, do que nunca!
Notas:
[1] Sobre las informaciones referentes a abusos de la mina Marlin puede verse: Agencia PL, Explotación minera ha ocasionado severos daños en Guatemala, Radio La Primierísima, 17 de marzo de 2008; GRAIN, No a la mina, no revienten las montañas, Biodiversidad, 16 julio 2008; Aron Lindblom,Guldfeber och motstånd i Centralamerika, Latinamerika.nu, 9 de octubre de 2008; Periodismo Comunitario, Gold Corp SA. contra 8 mujeres indígenas (video en Youtube), 13 de octubre de 2008; Sam Verhaert, Goldcorp devora el territorio por la fiebre del oro, No a la Mina, 3 de diciembre de 2009.
[2] Sobre las críticas de organizaciones internacionales se toma como ejemplo: La CIDH pide al Gobierno suspender explotación de la mina Marlin, Prensa Libre, 21 de mayo de 2010; CIDH solicita al gobierno de Guatemala suspender la explotación de la Mina Marlin en territorio maya, Centro de Políticas Públicas, 26 de mayo de 2010; Chris Hufstader, Mina Marlin: Pedido de suspensión a causa de la violencia y la contaminación, Oxfam Amércia, 1 de noviembre de 2011. Sobre la respuesta de la empresa a las peticiones de suspensión de la explotación en la Mina Marlin puede verse el siguientecomunicado.
[3] Una muestra de los reportajes recientes son los siguientes: Lyuba Zarsky and Leonardo Stanley,Buscando Oro en el Altiplano de Guatemala: Beneficios económicos y riesgos ambientales de la Mina Marlin, Global Development And Environment Institute, septiembre de 2011; Sara Murillo Cortés, Längs guldgruvans problemkantade vägar, Latinamerikagruppernas, 4, 2012; Agencia EFE, Organizaciones protestan contra mina Marlin, Prensa Libre, 26 de abril de 2012.
Lina Karlsson es comunicadora. Corresponsal para Centroamérica de Solidaridad Suecia-América Latina(SAL), con sede en Managua, y colaboradora de Alba Sud. Artículo publicado originalmente en sueco en la revista Folket, número 6, 17 de febrero de 2013. Traducción al español de Lina Karlsson para Alba Sud.
[Fuente: http://www.albasud.org/noticia/es/398/rentabilidad-versus-derechos-humanos

Confecção de roupas infantis flagrada explorando escravos tinha certificação

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Confecção de roupas infantis flagrada explorando escravos tinha certificação

Hippychick, empresa que terceirizou produção para oficina onde cinco bolivianos foram libertados, tinha selo de responsabilidade social da indústria têxtil
Por Igor Ojeda | Categoria(s): Notícias
A Hippychick Moda Infantil, confecção de roupas infantis que, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), terceirizava sua produção para uma oficina de costura flagrada explorando trabalho escravo, tinha desde outubro de 2012 o selo da Associação Brasileira do Vestuário Têxtil (ABVTEX) de responsabilidade social. Após a libertação de cinco trabalhadores bolivianos, a entidade representante da indústria do setor cancelou a certificação e o selo foi retirado da página da confecção na internet.
Página da Hippychick com selo da Abvtex, que foi retirado após a denúncia de escravidão. Imagem: Reprodução
Página da Hippychick com selo da Abvtex, que foi retirado após a denúncia. Imagem: Reprodução
“A ABVTEX informa que, a partir das denúncias, a empresa [Hippychick] teve suspensa a Certificação de Fornecedores. A certificação foi obtida em outubro de 2012, após auditoria realizada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas. A confecção não é fornecedora das redes signatárias e à época da auditoria não havia registro de subcontratados no seu processo produtivo”, afirmou à Repórter Brasil a ABVTEX, por meio de sua assessoria de imprensa.
De acordo com a entidade, todas as empresas que tenham o selo passam por uma auditoria de manutenção da certificação após um ano. No caso da Hippychick, a suspensão, portanto, teria ocorrido antes do prazo. Segundo o site da ABVTEX, o programa, criado no início de 2011, “tem o objetivo de mapear a cadeia de fornecedoras e, caso seja necessário, capacitá-los em boas práticas de responsabilidade social”.
Lojas AmericanasO Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho, que também participou da operação de libertação dos trabalhadores, investigam a responsabilidade das Lojas Americanas na exploração do trabalho escravo. Segundo o MPT, a suspeita é de que as peças produzidas pela oficina terceirizada eram revendidas exclusivamente nas Lojas Americanas com a marca “Basic+ Kids”, o que pode fazer que a rede varejista seja considerada responsável pela situação a que os trabalhadores estavam submetidos.
“O Ministério Público do Trabalho busca sempre a responsabilização daqueles que estão à frente do empreendimento, os reais beneficiários do processo produtivo. Não é interessante identificar apenas os intermediários, mas todo o segmento da cadeia produtiva”,  afirmou, em comunicado divulgado pelo MPT, o procurador-geral do Trabalho, Luís Camargo. Em nota, as Lojas Americanas disseram que repudiam qualquer tipo de trabalho realizado em condições degradantes e que estão apurando o ocorrido. A empresa informou, ainda, que cancelou as relações comerciais com a fornecedora.
Condições degradantes
O flagrante aconteceu em 22 de janeiro em uma oficina de costura de Americana (SP) que fornecia peças de roupas infantis à Hippychick, com sede na vizinha Santa Bárbara d’Oeste. A pequena oficina, que recebia R$ 2,80 por cada peça produzida para a Hippychick, havia sido montada de forma clandestina nos fundos do quintal de uma área residencial da periferia de Americana. O proprietário mantinha parentes trabalhando sob condições notadamente insalubres. O calor era intenso, por causa das telhas de amianto, o pé direito baixo e as laterais fechadas – o que impedia a circulação de ar. As pilhas de tecido espalhadas pelo espaço, além de dificultarem a circulação dos trabalhadores, aumentavam o risco de incêndio, por estarem próximas a “gambiarras” elétricas – o local não possuía extintores e saídas de emergência.
Nenhum funcionário tinha registro em carteira e a jornada de trabalho era de 12 horas diárias. No momento em que a fiscalização foi realizada, foram encontradas quatro crianças – sendo uma delas recém-nascida – dividindo o espaço com os pais. As duas casas em que os trabalhadores moravam estavam com a estrutura comprometida e apresentavam precárias condições de higiene.

A Hippychick afirmou, também em nota, que contratou os serviços da oficina de forma “pontual”, por causa do aumento da demanda de produção em dezembro do ano passado. De acordo com a empresa, a maioria das peças é confeccionada por empregados próprios e a terceirização foi feita para a confecção de 680 itens. Ainda segundo a nota, a nova diretoria da Hippychick, que assumiu a direção em setembro de 2012, não teve acesso ao interior da oficina nem a seus funcionários e “não mantém nem patrocina nenhum tipo de trabalho de forma ilegal”.
Em 2011, no entanto, a Polícia Federal já havia identificado a situação irregular de seis bolivianos na mesma oficina. Em 2012, o MPT de Campinas iniciou um procedimento contra a Hippychick, que a havia contratado para produzir peças revendidas às Lojas Americanas. A relação entre contratante e contratada foi cortada, mas posteriormente retomada.

A construção de um novo instrumento internacional contra escravidão e o tráfico de pessoas

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A construção de um novo instrumento internacional contra escravidão e o tráfico de pessoas

Criação de um novo instrumento internacional foi debatida em reunião tripartite de peritos em trabalho forçado na Organização Internacional do Trabalho
Por Renato Bignami* | Categoria(s): Artigos
Trabalhador aguarda o término de fiscalização, quando foi libertado de trabalho escravo (Foto: Divulgação MTE)
Trabalhador libertado da escravidão contemporânea (Foto: Divulgação / MTE)
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) está promovendo um debate tripartite, que inclui representantes de governo, trabalhadores e empregadores de várias partes do mundo, no sentido de verificar eventuais lacunas nas normas que estabelecem padrões mínimos para a erradicação do trabalho forçado no mundo. As Convenções 29 e 105 são mundialmente reconhecidas e estão entre as mais ratificadas no âmbito da OIT. Não obstante, esses importantes instrumentos de proteção de direitos humanos foram elaborados em contexto diferente do atual, em que a globalização da economia promove um rápido avanço econômico ao mesmo tempo em que propicia o retorno a formas arcaicas de superexploração do trabalho e a concepção de novas.
As Convenções 29 e 105 (…) foram elaborados em contexto diferente do atual, em que a globalização da economia promove um rápido avanço econômico ao mesmo tempo em que propicia o retorno a formas arcaicas de superexploração
Uma estimativa recente da OIT indica haver cerca de 21 milhões de pessoas sob o regime de trabalho forçado em todo o mundo. Esses trabalhadores podem ser encontrados sofrendo abusos em locais de trabalho tão díspares quanto no ambiente doméstico, na agricultura, nos sweatshops de produção de peças do vestuário, na construção civil, na hotelaria, ou em outros tantos setores da economia que insistem em manter condições precárias de trabalho e desrespeito aos mais básicos e fundamentais direitos do homem. O debate foi aprovado pela 101ª Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em 2012 de forma tripartite com a finalidade de melhor compreender as diversas realidades e necessidades dos Estados-Membros na tarefa de garantir o cumprimento dos direitos e princípios fundamentais no trabalho, conforme estabelecido naDeclaração da OIT Sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e Seu Seguimento, de 1998. Nesse debate (e, consequentemente, no possível/desejável futuro novo instrumento) estão incluídas discussões a respeito de mecanismos de prevenção, de proteção das vítimas e de compensação pelo dano sofrido, além do adequado estabelecimento da conexão entre trabalho forçado e tráfico de pessoas.
Contexto histórico
Importante ressaltar que as Convenções 29 e 105 são instrumentos antigos (1930 e 1957, respectivamente) e, de certa forma, desatualizados. A primeira foi elaborada especificamente dentro de um contexto histórico de descolonização dos países africanos e asiáticos com relação às nações europeias, e traz um conceito de trabalho forçado bastante relacionado com essa conjuntura. Nas antigas colônias era comum encontrar resquícios de várias tipologias de trabalho forçado, servidão e escravidão. A ideia era elaborar um marco de transição para uma economia baseada no trabalho livre assalariado, ao passo em que os países iam se libertando da matriz europeia. Dessa maneira, a Convenção 29 trouxe o conceito mundialmente adotado de trabalho forçado e diversos dispositivos de transição, os quais não estão mais em vigor, segundo conclusões do Comitê de Peritos da OIT. Apenas mantém-se vivo o conceito nuclear de trabalho forçado, que foi sendo ampliado pelo mesmo Comitê com a finalidade de alcançar as novas e modernas formas de submissão do trabalhador a esse tipo de exploração. Incluem-se, nesse conceito, todas as formas de escravidão, nos termos dos principais instrumentos internacionais sobre o tema, e o tráfico de pessoas conforme estabelece o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado, mais conhecido pelo nome da cidade italiana em que foi tratado, Palermo.
Trabalhador resgatado em pedreira no Rio de Janeiro. Foto: Divulgação/MTE
Trabalhador resgatado em pedreira no Rio de Janeiro. Foto: Divulgação/MTE
Igualmente não existe na Convenção 29 qualquer menção aos meios pelos quais o trabalho forçado deveria ser combatido, nem os caminhos para se chegar à total erradicação. Também não se contempla nela nenhuma medida de proteção das vítimas ou compensação pelos danos sofridos. Foram as práticas e a jurisprudência nacionais que acabaram enriquecendo o enfrentamento do trabalho forçado no decorrer desses anos todos. Da mesma forma, a Convenção 105 não contém recursos sobre como combater o trabalho forçado, completando apenas o conceito já existente para abarcar as práticas de submissão de trabalhadores perpetradas pelo próprio Estado como forma de punição política.
Enfrentamento e prevenção
Hoje em dia as situações de descolonização e trabalho forçado imposto pelo Estado são muito reduzidas ou quase inexistentes. A imensa maioria do trabalho forçado é encontrada no setor privado, advindo de complexos esquemas de terceirização e muitas vezes inserido em algum momento em grandes cadeias produtivas globais. As práticas no enfrentamento do trabalho forçado variam muito de país a país, e o Brasil é sempre citado como referência, por todo o histórico de luta demonstrado nos últimos 18 anos. Entretanto, apesar de muitos países já disporem de estruturas avançadas de enfrentamento, a imensa maioria ainda não apresenta nenhum tipo de medida de proteção das vítimas, de prevenção para que não ocorram situações de exploração ou qualquer mecanismo de compensação pelos danos sofridos, fazendo da ratificação da Convenção 29 um ato vazio.
A esse fato agregue-se o papel de protagonista que o movimento antitráfico de pessoas representa ao redor do mundo no último decênio. Com a entrada em vigor no plano internacional do Protocolo de Palermo (2003), o tema ganhou uma repercussão enorme e os temas exclusivamente relacionados como a exploração da escravidão e do trabalho forçado acabaram por ser eclipsados. Ocorre que o Protocolo de Palermo, apesar de ser bastante moderno e, portanto, já conter mecanismos de proteção, prevenção e compensação das vítimas, é um instrumento prioritariamente voltado para o estabelecimento de políticas criminais, uma vez que é um adicional à Convenção das Nações Unidas sobre o crime organizado. Dessa forma, questões como políticas públicas de emprego e renda, formação e reinserção no mercado de trabalho de trabalhadores submetidos à escravidão, assim como medidas específicas de proteção ao trabalhador, não constam desse instrumento tampouco.
Medidas de repressão de cunho criminal são fundamentais na luta contra o tráfico de pessoas e o trabalho forçado, mas devem ser compreendidas como o último e derradeiro passo dentro de uma política maior de erradicação do trabalho forçado
Medidas de repressão de cunho criminal são fundamentais na luta contra o tráfico de pessoas e o trabalho forçado, mas devem ser compreendidas como o último e derradeiro passo dentro de uma política maior de erradicação do trabalho forçado. Mais úteis são as medidas de prevenção, como, por exemplo, uma adequada política ativa de emprego e renda e de inserção no mercado de trabalho, voltadas para os grupos vulneráveis. Sendo assim, por meio da formação profissional adequada e da entrada correta no mercado formal de trabalho, garante-se que o trabalhador terá uma qualificação melhor e poderá, dessa forma, evitar as redes clandestinas de aliciamento e, consequentemente, o trabalho escravo. Da mesma maneira, é importante o estabelecimento de uma política nacional de proteção da relação de trabalho, conforme estabelecido pela Recomendação n. 198, da OIT, com a finalidade de se reforçar os mecanismos protetores no âmbito das chamadas relações triangulares de trabalho, das subcontratações desmesuradas e da pulverização da cadeia produtiva, como forma de prevenção do trabalho forçado.
PossibilidadesUm novo instrumento poderia tratar do tema de forma mais adequada e voltada diretamente para temas estritamente laborais e não criminais. Seria de extrema utilidade, notadamente para países que têm dificuldades em enfrentar de maneira correta o problema. O Comitê de Peritos exerce um papel fundamental na atualização do conteúdo desses instrumentos todos e os Estados-Membros deveriam fomentar a absorção dessa “quase jurisprudência” internacional do trabalho por novos e mais modernos instrumentos. Igualmente uma nova norma deveria estabelecer de forma clara e correta a nítida correlação entre tráfico de pessoas e trabalho forçado e, mais ainda, adotar inteiramente o exercício de interpretação do Comitê de Peritos, que aproximou ambos os conceitos. Ao integrar esses conceitos, o Comitê diz, efetivamente, que todas as medidas de prevenção, proteção e compensação já existentes para as vítimas de tráfico de pessoas devem igualmente ser garantidas para as vítimas de trabalho forçado, pois os dois fenômenos são intrinsecamente conectados e até mesmo se confundem.
Mulher grávida resgatada em fiscalização no setor têxtil
Mulher grávida resgatada em fiscalização no setor têxtil, em São Paulo, em 2013 (Foto: Anali Dupré)
Não haveria grandes dificuldades para o Brasil ratificar uma futura nova convenção (ou mesmo um protocolo adicional às convenções existentes) que preveja todos os itens discutidos, já que avançamos muito e dispomos de um acervo razoável de medidas para proteger e compensar as vítimas. Falta melhorarmos na prevenção, com o estabelecimento de melhores políticas públicas destinadas aos públicos mais vulneráveis. É importante, no entanto, que, qualquer que seja o instrumento a ser adotado, apresente medidas de cunho mandatório direcionadas aos Estados-Membros. Sabemos o real alcance das recomendações, que acabam funcionando mais como sugestões para os Estados-Membros que, assim, não se veem compelidos a atuar de maneira mais eficaz. Caso a Conferência entenda que uma recomendação já seria suficiente, perderemos uma grande oportunidade de redirecionar o debate sobre o trabalho forçado na agenda atual para um patamar prioritariamente de natureza trabalhista e focado mais na prevenção e na proteção das vítimas.
*Renato Bignami é auditor-fiscal do trabalho e participou da reunião tripartite de peritos em trabalho forçado organizada pela Organização Internacional do Trabalho entre 11 a 15 de fevereiro de 2013, como perito em trabalho forçado indicado pelo Governo brasileiro

Usina Colíder terá de contratar trabalhador na cidade de origem quando obras recomeçarem

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26/02/2013 - 16:59

Usina Colíder terá de contratar trabalhador na cidade de origem quando obras recomeçarem

Ministério e empreiteiras firmam acordo para que instrução normativa nº 90 seja seguida no caso de contratação de trabalhadores de fora da região
Por Marcel Gomes | Categoria(s): Notícias
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e as empreiteiras JMalucelli e CR Almeida, responsáveis pela construção da Usina Hidrelétrica de Colíder, no Mato Grosso, firmaram na semana passada um compromisso em ata para que novas contratações de trabalhadores de fora da região ocorram com base na instrução normativa nº 90 do ministério.
O consórcio de empreiteiras terá, dessa maneira, de comunicar contratações para o MTE, assinar a carteira de trabalho na região de origem do funcionário e custear despesas com passagens, alimentação e hospedagem. A medida visa ampliar os direitos dos trabalhadores, parte dos quais depredaram o canteiro de obras na noite do último dia 11.
As atividades estão interrompidas até hoje e não há previsão de quando serão retomadas. Uma das hipóteses investigadas pela polícia para a destruição, inclusive dos alojamentos, é a insatisfação dos funcionários com as condições de trabalho na área. Como dois caixas eletrônicos também teriam sido destruídos e o dinheiro, furtado, outras possibilidades para o episódio estão sob investigação.
Vertedouro da usina colíder, mato grosso
Vertedouro da Usina Colíder, no Mato Grosso (Foto: divulgação)
A procuradora Fernanda Alitta Moreira da Costa, do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Alta Floresta, visitou o canteiro de obras e disse à Repórter Brasil, na última sexta-feira (22), que a situação começava a se acalmar. Costa disse que foi necessária uma medida judicial para que o consórcio retirasse de ginásios os trabalhadores que não possuíam residência na região.
“Muitos acabaram pedindo para ir embora”, contou ela. Com isso, de 1.660 funcionários contratados, 1.200 rescisões já haviam sido encaminhadas até sexta-feira. A maioria tinha origem no Maranhão e partiu com o compromisso das empresas de que terão preferência de contratação quando as obras voltarem à normalidade.
Protestos
Conforme relato enviado por Jefferson do Nascimento, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), não há dúvidas de que os protestos foram iniciados devido a “uma série de insatisfações” referente a direitos trabalhistas que o consórcio não vinha cumprindo.
Entre elas, citou o não pagamento de horas-extras, redução do valor da PLR (Participação nos Lucros e Resultados), acidentes de trabalho, vale-alimentação de valor insuficiente e alimentação de baixa qualidade. “Essas reclamações já vêm sendo feitas há vários meses, e a empresa não tomou nenhuma atitude para atendê-las. O incidente foi apenas uma reação frente a esse descaso da empresa com os trabalhadores”, afirmou Nascimento.
ginásio
Funcionários de fora estavam dormindo em ginásios locais (foto: MPT)
A usina de Colíder tem histórico de irregularidades trabalhistas. Em março do ano passado, o próprio MPT ajuizou ação cautelar para interditar frentes de trabalho no local onde estava sendo construído o vertedouro, além de dois guindastes em operação. Durante a inspeção, foram detectadas a ausência de equipamentos de proteção coletivo e a inadequação parcial dos alojamentos, banheiros refeitórios, entre outros problemas.
A usina está sendo construída no rio Teles Pires, norte do Mato Grosso. Terá potência instalada de 300 megawatts – o suficiente para atender ao consumo de aproximadamente 850 mil pessoas – e um reservatório que abrangerá áreas dos municípios de Nova Canaã do Norte, Colíder, Itaúba e Cláudia. A concessão pertence à Copel Geração e Transmissão S.A., subsidiária da Companhia Paranaense de Energia.

O Bispo e a Rainha

carta capital
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-bispo-e-a-rainha/


O Bispo e a Rainha




Por Thiago Foresti
Em tempos de renúncia e crise no Vaticano, um bispo de 85 anos de São Felix do Araguaia, região remota no interior de Mato Grosso, oferece um exemplo de força e coragem ao escancarar uma antiga mazela social dentro de seu estrato social mais obscuro: a política.
O bispo dom Pedro Casaldáliga, histórico combatente do trabalho escravo. Foto: Secretaria de Comunicação de Mato Grosso
O bispo dom Pedro Casaldáliga, histórico combatente do trabalho escravo. Foto: Secretaria de Comunicação de Mato Grosso
Dom Pedro Casaldáliga, nascido em Balsareny na Espanha e nomeado bispo prelado de São Felix do Araguaia em 1971 pelo papa João Paulo VI, tem uma biografia fortemente ligada à luta contra o trabalho escravo. Sua militância no tema é tão grande que a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo do Mato Grosso (COETRAE-MT) resolveu homenageá-lo neste ano e colocou seu nome em um importante prêmio nacional de jornalismo.
A escolha não poderia ser mais acertada. Com o intuito de informar e combater essa prática tão recorrente e perversa nos rincões do Brasil, a Comissão provavelmente não sabia, mas estava armando a jogada para que o bispo colocasse em xeque a peça de maior valor relativo do tabuleiro rival: a rainha.
Acostumada a transitar livremente pelo tabuleiro, Janete Riva é mulher do presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, José Riva (PSD), que está no cargo há mais de 10 anos e parece gozar de uma prerrogativa vitalícia, concedida apenas a reis e papas. Como rainha, Janete foi presidente da Sala da Mulher da Assembleia e organizava festas e eventos de destaque em Cuiabá. O status de esposa do rei permitiu com que Janete transitasse tranquilamente entre vida pública e privada sem ser incomodada.
Como latifundiária da fazenda Paineiras, de sete mil hectares em Juara, foi posta duas vezes em xeque nos últimos anos. A primeira durante a operação Jurupari, da Polícia Federal, que constatou extração e transporte de madeira ilegal na fazenda em 2009. A segunda foi no ano passado, quando seu nome entrou para a lista-suja do trabalho escravo após ser flagrada, na mesma fazenda, com sete trabalhadores em situação análoga à escravidão. Mas as ações não ameaçaram o reinado de Janete, que continuou a se movimentar livremente pelo tabuleiro e neste ano foi nomeada secretária de Cultura do governo do estado.
Mas foi justamente essa última movimentação que abriu caminho para o bispo colocar a rainha mais uma vez em xeque. Em uma mensagem simples e direta, ele protocolou a seguinte nota oficial na Casa Civil de Mato Grosso: “Considerando que a fazenda de propriedade da secretária de cultura do estado de Mato Grosso, Janete Riva, consta da Lista Suja de Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, eu peço que meu nome seja retirado do prêmio do concurso de jornalismo organizado pela COETRAE/MT”.
Dom Pedro Casaldáliga, entre o então presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, e o deputado Mário Heringer, durante solenidade em sua homenagem no Congresso. (foto: J. Freitas/Agência Brasil)
Dom Pedro Casaldáliga, entre o então presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, e o deputado Mário Heringer, durante solenidade em sua homenagem no Congresso. (foto: J. Freitas/Agência Brasil)
A atitude do bispo repercutiu nas mídias sociais e reverberou na sociedade civil mato-grossense, abrindo uma crise institucional. Aproveitando a oportunidade, o Fórum de Direitos Humano de Mato Grosso e mais 41 organizações protocolaram um pedido de exoneração imediata de Janete Riva da Secretaria de Cultura.
Se a intenção era combater o trabalho escravo através de sua exposição na mídia, a COETRAE não poderia ter feito uma escolha mais acertada. A “renúncia” do bispo foi um prato cheio para a imprensa local e mídias sociais e serviu para colocar o trabalho escravo novamente em pauta.
Mesmo que a movimentação do bispo não resulte no tão aguardado xeque-mate, ele fecha o cerco em torno de uma dinastia antiga e perene no estado de Mato Grosso. Quem é fã de xadrez sabe que nem sempre é fácil. É preciso uma grande confluência de peças se arquitetando conjuntamente combinada com bastante estratégia. Casaldáliga, no alto de seus 85 anos, mostrou ainda ter estratégia de sobra para jogar seu jogo favorito: o de combater o trabalho escravo.

Tráfico de Pessoas: quem se importa?

correio
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8138:submanchete280213&catid=72:imagens-rolantes

Tráfico de Pessoas: quem se importa?


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ESCRITO POR INÊS VIRGINIA PRADO SOARES   
QUI, 28 DE FEVEREIRO DE 2013


Nada melhor que um folhetim da Globo para deixar um tema em evidência. Falo do tráfico de pessoas e da abordagem feita na novela Salve Jorge. Não estou habilitada a entrar em pormenores dessa trama, porque, depois de me “viciar” na Carminha e na Nina, da anterior Avenida Brasil, só vejo de vez em quando o drama da Morena.

Na vida real, porém, o nefasto crime de tráfico humano está aí e precisa ser enfrentado pelo Estado e pela sociedade, de forma mais ativa e com maior conhecimento, sem deixar tanta margem de liberdade para os esquemas criminosos. Isso vem com a construção e consolidação de uma política pública para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (ETP), o que ainda está em curso em nosso país.

Na última década, o Estado brasileiro assumiu o ETP como um tema merecedor de especial atenção na sua agenda de direitos humanos e tem procurado combater esse tipo de violação com o desempenho das tarefas de prevenção, repressão e responsabilização indicadas na Convenção de Palermo da ONU e os seus protocolos adicionais.

No Protocolo de Palermo da ONU o Tráfico de Pessoas é definido como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”.

O governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação a esta Convenção junto à Secretaria Geral da ONU, em 2004. O Decreto 5.015/2004 formalizou internamente os compromissos assumidos, permitindo o desenvolvimento de políticas públicas nessa seara. Em 2006 foi instituída a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e, em janeiro de 2008, foi aprovado o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP), finalizado em 2010.

No caminho trilhado para o ETP no Brasil, ficamos dois anos sem um Plano de Enfrentamento, entre 2010 e 2012, o que não significa inércia da sociedade ou do Poder Público em relação ao tema. Ao contrário: a rede de ETP se fortaleceu, as discussões com a sociedade se ampliaram, os órgãos se capacitaram e se estruturaram melhor para lidar com esse crime e suas vítimas. Além disso, houve a disseminação do tema, com a apreensão pelo senso comum do que é tráfico de pessoas.

Mas, faltava o Plano Nacional... E no dia 26 de fevereiro de 2013 foi publicado o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de pessoas - PNETP (2013-2016). Este II Plano, amplamente debatido com a sociedade e com os órgãos e profissionais que atuam diretamente com o tema, traz a experiência do anterior (que vigorou de 2006 a 2010) e apresenta novidades para maior efetividade das medidas para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (ETP) no Brasil.

Com foco tanto na importância da informação sobre as causas e os nefastos impactos do Tráfico de Pessoas como na eficiência do trabalho em rede pelos órgãos e profissionais envolvidos no ETP, a Portaria Interministerial n. 634, que cria o II Plano, prevê para os próximos quatro anos ações que deem visibilidade ao tema, com a sensibilização e mobilização da sociedade, proporcionando um conhecimento mais sofisticado, atento e difuso acerca das situações de tráfico humano e das formas de enfrentamento.

Os objetivos do II PNETP vão da ampliação e aperfeiçoamento de órgãos envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas ao fomento, inclusive com capacitação dos profissionais, e fortalecimento da cooperação entre órgãos públicos, organizações da sociedade civil e organismos internacionais no Brasil e no exterior, passando pela produção e disseminação de informações sobre o tráfico de pessoas e as ações para seu enfrentamento.

Uma boa nova da Portaria é a criação do Grupo Interministerial de Monitoramento e Avaliação do II PNETP, que funcionará no âmbito do Ministério da Justiça. Dentre suas atribuições, além das esperadas para monitoramento e avaliação, é interessante a previsão de que o Grupo estabeleça metodologia de monitoramento e avaliação do II PNETP (inc. I). Esse dispositivo é um legado do aprendizado na execução da política pública de enfrentamento no Brasil e uma clara indicação do avanço no tratamento do tema no âmbito local.

O II PNETP prevê cinco linhas operativas:

1 - Aperfeiçoamento do marco regulatório para fortalecer o ETP;

2 - Integração e fortalecimento das políticas públicas, redes de atendimento, organizações para prestação de serviços necessários ao ETP;

3 - Capacitação para o enfrentamento ao tráfico de pessoas;

4 - Produção, gestão e disseminação de informação e conhecimento sobre tráfico de pessoas;

5 - Campanhas e mobilização para o ETP.  Cada linha operativa descreve uma série de atividades e metas para os próximos quatro anos.

O detalhamento das linhas operativas do II Plano é feito com a minuciosa descrição de atividades, as quais, de tão diversas e abrangentes, nos remetem às linhas típicas de uma política pública para implementar o Direito ao Desenvolvimento, o que indica a percepção de que o olhar para o futuro é um dos requisitos para o êxito do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. Como o Direito ao Desenvolvimento, o ETP está pautado por princípios como: da inclusão; da accountability (prestação de contas/responsabilização); da participação; do fortalecimento (empowerment) de grupos vulneráveis (ou de vítimas); e da cooperação internacional. Todos estes princípios estão incorporados no II PNETP.

Da leitura das atividades previstas em cada linha operativa, nota-se que o tema foi tratado de forma holística, com a percepção de que o êxito do II Plano vem da integração entre órgãos e da capacitação de todos. Há uma visão da necessidade de se criar e consolidar uma cultura de Educação para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Muitas das atividades previstas em cada uma das linhas operativas do II PNETP iluminam as necessidades dos vulneráveis, dos excluídos e dos discriminados, possibilitando que as políticas públicas sejam pensadas e desenhadas, de modo participativo, para prevenir o tráfico humano e para acolher os que estão ou foram submetidos a esta situação.

Fica a sugestão de que os leitores conheçam o II Plano e as atividades previstas. Verão que há atividade para todo gosto e ramo de conhecimento. Quem sabe cada leitor encontre uma atividade para chamar de sua...

Voltando ao título do artigo: o governo brasileiro se importa. E a sociedade civil organizada, que também se importa, tem no II PNETP um farto aparato para exigir e monitorar essa política pública. Eu me importo.


Inês Virginia Prado Soares é doutora em Direito pela PUC/SP e Procuradora Regional da República.