sexta-feira, 26 de abril de 2013

Relatório de 1968 que mostra extermínio de aldeias é encontrado

liga operária
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Relatório de 1968, supostamente desaparecido, relata extermínio de aldeias inteiras, envenenamentos, torturas e assassinatos praticados pelo próprio Estado. Violações denunciadas no Relatório Figueiredo ainda são desconhecidas. Expedição percorreu mais de 16 mil quilômetros investigando violações de direitos humanos em 130 postos indígenas. Foram recuperadas mais de 7 mil páginas do documento.
Documento dado como desaparecido durante mais de 40 anos retrata realidade da década de 1960 (Reprodução)
Documento dado como desaparecido durante mais de 40 anos retrata realidade da década de 1960
 Belo Horizonte — Depois de 45 anos desaparecido, um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século, o chamado Relatório Figueiredo, que apurou matanças de tribos inteiras, torturas e toda sorte de crueldades praticadas contra indígenas em todo o país — principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) —, ressurge quase intacto. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais.
 Em uma das inúmeras passagens brutais e revoltantes do texto, a que o Estado de Minas/Correio teve acesso com exclusividade, um instrumento de tortura apontado como o mais comum nos postos do SPI à época, chamado “tronco”, é descrito da seguinte maneira: “Consistia na trituração dos tornozelos das vítimas, colocadas entre duas estacas enterradas juntas em um ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente”.
Grupo de manifestantes queria marcar audiência com Dilma Rousseff, mas foi barrado na entrada. A presidente estava em viagem para Lima  (Antonio Cunha/ Esp.CB/ D.A Press)
Grupo de manifestantes queria audiência com Dilma Rousseff, mas foi barrado na entrada.
Entre denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a estricnina – um veneno –, o texto, redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia, mostra a ação genocida e impune do Estado brasileiro. o relatório ressuscita incontáveis atrocidades e poderia se tornar agora um trunfo para a Comissão da Verdade, que deveria apurar violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988, mas que, em conluio com o governo FMI-Dilma,  segue tentando ocultar os crimes do regime militar.
A investigação, feita em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, em 1967, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e a bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça. Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça.
Os únicos registros do relatório disponíveis até hoje eram os presentes em reportagens publicadas na época de sua conclusão, quando houve uma entrevista coletiva no Ministério do Interior, em março de 1968, para detalhar o que fora constatado por Jader e sua equipe. A entrevista teve repercussão internacional, merecendo publicação inclusive em jornais importantes como o New York Times. No entanto, tempos depois da entrevista, o que ocorreu não foi a continuação das investigações, mas a exoneração de funcionários que haviam participado do trabalho. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano, o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime mais rígido.

Impunidade
O vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, foi quem descobriu o conteúdo do documento. Ele afirma que, antes de ser achado, o Relatório Figueiredo já havia se tornado motivo de preocupação para setores que estão possivelmente envolvidos nas denúncias. “Já tem gente tentando desqualificar o relatório, acho que por um forte medo de ele aparecer, as pessoas estão criticando o documento sem ter lido”, acusa.
“É espantoso que exista na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios, a título de ministrar justiça”, lamentava Figueiredo em uma das páginas recuperadas por Zelic. Em outro trecho contundente, o relatório cita chacinas no Maranhão, em que “fazendeiros liquidaram toda uma nação, sem que o SPI opusesse qualquer reação”.
Um dos trechos mais dramáticas descritos pelo procurador Jader de Figueiredo Correia em 1968 é a que narra sua passagem por Guarita, no Rio Grande do Sul, área da 7ª Inspetoria do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), quando ele se deparou com duas crianças indígenas em péssimo estado de saúde. “Em Guarita (IR-7-RGS), seguindo uma família que se escondia, fomos encontrar duas criancinhas sob uma moita tendo as cabecinhas quase completamente apodrecidas de horrorosos tumores, provocados pelo berne, parasita bovino”, ele escreveu no documento que entraria para a história com seu nome: Relatório Figueiredo. Sua expedição percorreu mais de 16 mil quilômetros investigando violações de direitos humanos em 130 postos indígenas.
O relatório por ele elaborado, desaparecido por 45 anos, foi encontrado em caixas guardadas no Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Matéria publicada ontem pelo Estado de Minas/Correio mostrou como um pesquisador de São Paulo se deparou com a papelada produzida pela investigação feita a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, que, até então, acreditava-se que houvesse sido destruída em um incêndio no Ministério da Agricultura.
Foram recuperadas mais de 7 mil páginas do documento, produto da expedição comandada por Figueiredo, incluindo as 62 páginas pertencentes ao relatório final, entregue a Albuquerque Lima em 1968. Os únicos registros remanescentes eram reportagens feitas a partir de uma entrevista concedida pelo procurador em março daquele ano, com repercussão internacional.
Fazendeiros ocuparam ilegalmente milhares de hectares de terras indígenas e expulsaram o povo Kadweu
Documentos relatam massacres, torturas, invasões de terras e outras agressões ocorridas nos anos 1960 (Fotos: Marcelo Zelic/ Divulgação)
Documentos relatam massacres, torturas, invasões de terras e outras agressões ocorridas nos anos 1960

Passados 50 anos de uma batalha sangrenta entre fazendeiros locais e índios Kadweus do sul de Mato Grosso, uma pergunta inquietante ressuscita com o recém-redescoberto Relatório Figueiredo, que apurou em 1968 chacinas de tribos e torturas em índios de todo o país. O que aconteceu? Documento produzido pela Associação de Criadores de Sul de Mato Grosso em 5 de janeiro de 1963 e anexado à extensa investigação feita pelo procurador Jader de Figueiredo para o Ministério do Interior relata pedido do mais famoso líder da repressão do Estado Novo de Getúlio Vargas, o então senador Filinto Müller, que rogava para que o general comandante da 9ª Região Militar fosse informado do conflito armado. Müller afirmou que trataria pessoalmente da situação com a direção do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), reportadamente suspeito, segundo Figueiredo em seu relatório, revelado pelo Estado de Minas/Correio.
 As terras do povo Kadweus, 374 mil hectares em um local chamado Nabileque, foram usurpadas, deles, assim como ocorreu com áreas de diversas outras tribos. Segundo aponta o inquérito de 7 mil páginas que era tido como desaparecido em um incêndio no Ministério da Agricultura, os terrenos foram dados a eles por dom Pedro II, pela participação decisiva que tiveram na Guerra do Paraguai. No entanto, ele diz em outro trecho do texto, elas “foram invadidas por poderosos fazendeiros e é muito difícil retirá-los um dia”.
 
 Fonte: jornal Estado de Minas e Correio Braziliense
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Felipe Canêdo
Dias 19, 20 e 21/4/2013
 Leia mais:

Palestra de Marcelo Zelic (Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e Coordenador do projeto Armazém Memória)

 

Povos Indígenas e Ditadura Militar: Subsídios à Comissão Nacional da Verdade 1946-1988

 
Tribunal Popular da Ditadura - XXXI Encontro Nacional dos Estudantes de História - São Paulo, 16/07/2012 – Unifesp
Gostaria de agradecer a todas e todos que organizaram este Tribunal Popular da Ditadura como parte da programação do XXXI Encontro Nacional dos Estudantes de História, no ano em que se completam 25 anos da Federação do Movimento Estudantil de História. A pronta acolhida pelos organizadores da sugestão de inclusão da questão indígena como um caso a ser desvelado e julgado, vem reforçar as entidades que estão propondo a inclusão deste tema na Comissão Nacional da Verdade, bem como aprofundar os vínculos do movimento estudantil de história com a luta pelos direitos humanos e contra a impunidade no Brasil.
Tema tão importante e ao mesmo tempo tão esquecido, distante, quando não, desconhecido, guardado a sete chaves e muitas vezes transformado em tabu, com profundas ressonâncias nas populações atingidas até hoje. Se o esquecimento das violências passadas é uma constante em nossa história, o que se passa com a memória relativa às violações dos direitos dos indígenas brasileiros permanece dispersa, desaparecida, escondida e em profundo silêncio, garantindo a impunidade destes fatos e promovendo situações que nos geram profunda tristeza até hoje.
O que aconteceu com os índios no período abrangido pela Comissão Nacional da Verdade? Como foram suas vidas entre 1946 e 1988? Que povos sofreram violências? Quais tipos de violência sofreram? Qual o número aproximado de mortos? Houve Desaparecidos? Quantos foram presos? Quantos torturados? Quem foram os agentes do estado brasileiro que praticaram tais violações contra os direitos humanos e a pessoa do índio? Quais setores da sociedade estavam envolvidos? Houve genocídio? Quem se beneficiou destes atos? Durante a ditadura militar de 1964-1985 os casos se intensificaram? Que consequencias tiveram as políticas de desenvolvimento dos governos militares para os povos originários?
Estão envolvidos em colaborar com o esclarecimento destas questões as entidades Associação Juízes para a Democracia[1], Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Grupo Tortura Nunca Mais-SP e o site Armazém Memória, que atendendo ao questionamento do Blog Resistência Indígena Continental, iniciamos pesquisa no sentido de sistematizar subsídios que instruam casos a serem encaminhados à Comissão Nacional da Verdade e articular com e na sociedade um estudo colaborativo para o desenvolvimento deste trabalho.
Concordamos com Rose Nogueira, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP quando aponta a necessidade de termos sub-grupos temáticos:
(…) a posição do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo tem sido, desde o começo das discussões sobre a Comissão da Verdade e Justiça, que se investigue os crimes da ditadura contra todos os brasileiros perseguidos. Não esquecemos que os povos indígenas também passaram por isso, como tantos outros brasileiros. Pensamos que a Comissão da Verdade e Justiça deva ter sub-comissões para levantar e pesquisar cada assunto específico.”[2]
Outras vozes se levantam também pela inclusão deste tema na Comissão da Verdade, em entrevista dada ao Instituto Humanitas Unisinos[3] e publicada em seu site, Egydio Schwade[4], ex-secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, apresenta o caso dos Waimiri-Atroari apontando 2.000 índios e índias de todas as idades desaparecidos. Diz ele:
“Levantei essa questão porque os índios Waimiri-Atroari são desaparecidos políticos, como os demais que desapareceram no rio Araguaia. Eles desapareceram porque resistiram contra os projetos do governo militar. Pelo que estou escutando nos últimos dias, parece que está se formando finalmente a Comissão Nacional da Verdade e ela está decidida a considerar essa perspectiva também. Estou falando sobre os Waimiri-Atroari, mas têm muitos outros povos que foram massacrados de forma semelhante. Por exemplo, os Paracanã em função da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins, no estado do Pará.
Entre 1967 e 1977, o governo militar construiu a BR-174, a estrada Manaus – Boa Vista, ou Manaus – Caracaraí, como é conhecida. … … Nessa época, iniciou-se uma estratégia para evitar a entrada de pessoas que pudessem manter contato com os índios e diálogo direto. O governo não queria que pessoas que pudessem escutá-los tivessem contato com eles. Na época, eu era secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário Nacional – Cimi e nós pedimos, numa das primeiras assembléias na Amazônia, realizada em Belém, em 1975, que o governo suspendesse imediatamente a construção da BR-174 para que houvesse contato pacífico com os índios. Mas o governo não aceitou.
Nenhum jornalista, missionário ou integrante do Cimi e de outras entidades do movimento popular que pudessem resistir ou manifestar uma posição a favor dos índios tinha acesso às terras dos Waimiri-Atroari. A legislação oficial era violada pelo próprio governo.
Por conta da posição do governo, iniciou-se um conflito cada vez mais acirrado. A notícia que se tem é de que muitos indígenas foram mortos, uns com napalm, outros eletrocutados, ainda outros com armas de fogo. E a FUNAI não só sabia da violência dos militares contra os índios, mas até participou de reunião com o 6º Batalhão de Engenharia de Construção – BEC onde foi decidido o uso de armas de fogo, dinamite, metralhadoras e de granadas.
Inclusive um funcionário da Funai, Sebastião Amâncio, ao ser nomeado como encarregado da Frente de Atração Waimiri-Atroari em substituição a Gilberto Pinto, morto durante o último massacre dos índios contra funcionários da FUNAI, em entrevista ao jornal O GLOBO, em 5 de janeiro de 1975, disse que mudaria a estratégia de atração da FUNAI. Disse que faria uma demonstração de força dos civilizados, mediante o uso de dinamite, granadas e bombas de gás lacrimogênio, exatamente como determinava o documento secreto elaborado dois meses antes, entre o 6º. BEC e a FUNAI. Os índios tinham que aprender uma lição que os impedisse de matar os civilizados. Havia toda uma estratégia do governo para evitar que os massacres dos militares contra os indígenas chegassem à opinião pública. Por isso, entre 1967 e 1977, eles proibiram a entrada de pessoas fora dos quadros oficiais na área indígena.
No dia 9 de maio, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados realizou, por iniciativa da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), uma audiência pública para tratar do caso dos Waimiri-Atroari. Egydio deu aí seu depoimento[5] e alguns dias depois foi instalada a Comissão da Verdade do Amazonas, evento que ocorreu no auditório Rio Negro, do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Amazonas. “O professor Paulo Monte finalmente pode tornar público os documentos que possui sobre o massacre dos Waimiri-Atroari, e que tem servido como orientação para estudos daquele período dramático da vida da república.”[6]
Vários outros casos começam a ser sistematizados e muitos outros estão por ser sistematizado e vão de encontro às denúncias feitas por Egydio Schwade sobre a existência de muitos outros povos, além dos Waimiri-Atroari, a sofrerem violências durante a ditadura militar.
Apresento inicialmente alguns poucos casos do estudo empreendido, que desenvolve hoje 5 eixos iniciais de pesquisa e que aponto abaixo para conhecimento:
● Eixo 1: Discurso de Deputados e Senadores – Objetivo: Mapear denúncias de violações de direitos humanos dos índios feitas no Congresso Nacional pelos deputados e senadores.
● Eixo 2: Comissões de Investigação do Estado Brasileiro – Objetivo: Localizar a íntegra da documentação produzida e sistematizar os casos e informações que contenham violações aos direitos humanos dos índio no período 1946-1988.[7]
○ Comissão Parlamentar de Inquérito do Serviço de Proteção do Índio – SPI (1962-1963)
○ Comissão de Inquérito do Ministério do Interior – Relatório Figueiredo (1968)
○ Comissão Parlamentar de Inquérito do Índio (1968)
○ Comissão Parlamentar de Inquérito do Índio (1977)
● Eixo 3: Cadeias e Guarda Rural Indígena (GRIN) – Objetivo: Apurar as violências praticadas nas cadeias para indígenas criadas pela FUNAI em Minas Gerais, sob responsabilidade da Polícia Militar deste estado e o ensinamento de pratica de tortura à Guarda Rural Indígena formada em 1969 e suas consequencias.
● Eixo 4: Casos de Conflito que envolvem as FFAA e órgãos do Estado – Objetivo: Organizar uma cronologia de casos e documentação reunida por caso.
○ Caso Waimiri-Atroari – conflito construção de estrada, hidrelétrica e mineradora.
○ Caso Arara do Pará – conflito construção de estrada.
○ Caso Xavantes do Mato Grosso – remoção forçada.
● Eixo 5: Casos de Conflito decorrentes da política de desenvolvimento aplicada pelo Estado – Objetivo: Organizar uma cronologia de casos e documentação reunida por caso.
○ Caso Cinta-Larga
○ Caso Gorotire
No momento estamos trabalhando com os eixos 1, 2 e 3, visando mapear as denúncias e classificá-las nos eixos 4 e 5, porém o fato da pesquisa se encontrar em estado inicial não impede que apresentemos neste Tribunal Popular da Ditadura alguns fatos, que demonstrarão de forma incisiva a necessidade de criação de um eixo temático na Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de investigar os casos sofridos pelos Povos Indígenas do Brasil nos anos de sua competência.
Inúmeros casos estão apontados nos documentos do Congresso Nacional publicados no Diário Oficial, como exemplo apresentamos a Resolução da Câmara dos Deputados nº 65, de 1968, que “cria Comissão Parlamentar de Inquérito para estudar a legislação do indígena, investigar a situação em que se encontram as remanescentes tribos de índios no Brasil, e propor diretrizes para a política indigenista do Brasil.” Este documento, assinado por muitos deputados, em sua justificativa apresenta a denúncia a seguir:
“Jamais, talvez, os militares que dirigiram o SPI, em especial o Major Luís Vinhais, sequer leram qualquer obra de Antropologia ou Etnologia, estudo aliás, desnecessário para quem, como esse major, se entregou à tarefa de exterminar, pela inoculação deliberada de varíola, duas tribos Pataxó, e de desviar um bilhão de cruzeiros daquele Serviço.” [8]
Luis Vinhas Neves, Major Aviador, vinculado ao Ministério da Aeronáutica, foi nomeado diretor do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) logo após o golpe de março de 1964, substituindo o sanitarista Noel Nutels e foi denunciado em 1968 no Relatório produzido pelo Procurador Geral Jader Figueiredo Correia, presidente da Comissão de Inquérito do Ministério do Interior, sendo encaminhado ao Ministério da Justiça o Aviso nº 257/10-04-1968, solicitando abertura de inquérito policial que em 16/04/1968 estava em andamento no Departamento de Polícia Federal sob nº 10.055/68, junto a outros 23 processos[9], de um total de 134 implicados[10], ou 300 segundo outras fontes.
Diferentemente do Relatório publicado no Diário Oficial da União de 10/09/1968[11] (pag 22 a 28), que somente trouxe os fatos relativos à investigação administrativa sobre a corrupção praticada pelos agentes do SPI, em março de 1968, durante uma coletiva de imprensa, no próprio Ministério do Interior, o Procurador Geral Jader Figueiredo Correia, presidente da Comissão de Investigação do Ministério do Interior, expõe fatos registrados nas 5.150 páginas do relatório produzido em quase 1 ano de trabalho, contendo 21 volumes, que denunciaram graves violações de direitos humanos, que ficaram registradas em jornais nacionais e na imprensa internacional. O Relatório Figueiredo encontra-se desde o AI-5 desaparecido. É papel da Comissão Nacional da Verdade localizar este documento ou reconstituir estas informações.
O jornalista Pinheiro Junior assina matéria em 21/04/1968 intitulada “Funcionários do SPI não ignoravam a Chacina – III” e publicada na Folha de São Paulo onde cita várias denúncias feitas pelo Procurador Geral, destacamos algumas abaixo:
O jornal alemão Dier Spiegel de Hamburgo, publica fotografia reproduzida em relatório produzido pela Indigena, INC e American Friends of Brazil, com fotografia de índia Cinta-larga assassinada no Mato Grosso, retratando uma das inúmeras chacinas ocorridas contra este povo, que foi vitimado para tomada ilegal de suas terras e riquezas, para a agricultura e criação de gado, bem como a exploração de diamantes. Sobre estes fatos, em 1966 o deputado Oswaldo Zanello da ARENA/ES, aponta a origem da foto, publicada no jornal O Globo, a partir de denúncias feitas pelo padre Waldemar Weber. Destaco:
Em abril de 1968 o Deputado Paulo Macari registra em discurso a denúncia feita pelo pastor Wesley Blevens de que “é de conhecimento público que os índios estão sendo exterminados a tiros e com açúcar contaminado com o vírus da varíola e do tifo” e que os índios Beiços-de-Pau estão sendo dizimada a tiros por um funcionário da SUDAM, que já cortou 30 mil hectares de mata e por caçadores que usam o açúcar envenenado.[12]
Inúmeros são os crimes a serem apurados contra os índios brasileiros, mas para não me estender, termino reiterando a importância de desvelarmos esses fatos. Tornarmos público a toda a nação também as graves violações contra os índios do Brasil, que tiveram suas aldeias atacadas, seus corpos infectados, sua população reduzida de forma drástica neste período, a ponto de vir ao Brasil uma Comissão da Cruz Vermelha para “apurar” as denúncias de genocídio que correram o mundo.
As cadeias indígenas é um assunto que precisa ser esclarecido pela Comissão Nacional da Verdade. O Centro de Reeducação Indígena Krenak, localizado na área demarcada para os índios Krenák, no vale do rio Doce, em Minas Gerais, “foi implantado sob a administração do Capitão Manoel Pinheiro, da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais, e para lá eram enviados os indígenas que opunham resistência aos ditames dos administradores de suas aldeias ou eram considerados como desajustados socialmente. No Presídio eram mantidos em regime de cárcere, sofrendo repressões, como o confinamento em solitária e castigos físicos em casos de insubordinação. Eram-lhes impostas atividades na agricultura durante o dia, sob forte vigilância de soldados da Polícia Militar de Minas Gerais e dos índios agregados à Guarda Rural Indígena (GRIN), também fundada pelo Capitão Pinheiro. A Guarda era composta por índios que Pinheiro definia como de “excepcional comportamento”, devidamente treinados e fardados, e encarregados de mantera ordem interna nas aldeias, coibir os deslocamentos não autorizados, impor trabalhos e denunciar os infratores ao Destacamento da Polícia Militar.”[13]
Quem são os indígenas presos nesta instituição? Quantos foram? O que passaram aí? Que violências sofreram? Qual era a cadeia de comando que sustentava estas barbaridades? Na imprensa há denúncias de abusos, violências e torturas praticadas nesta instituição, como também na que a sucedeu com a transferência de índios, presos e a GRIN para a Fazenda Guarani de propriedade da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais. O Jornal do Brasil em matéria publicada em 27/08/1972, quando a FUNAI já estava sob comando do General Bandeira de Melo, faz uma introdução como que a justificar a ausência do nome do autor da matéria:
Deste modo estamos aqui para pedir a condenação do estado Brasileiro pelos massacres cometidos contra os povos indígenas do Brasil durante os anos de 1946-1988, por ação ou omissão, ou até conivência e que a Comissão Nacional da Verdade crie um sub-grupo temático para averiguar estas e outras tantas denúncias que estão em fase de compilação.
Em 12/06/2012 foi realizada reunião no escritório regional da Presidência da República com os membros Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Maria Cardoso da Cunha, José Carlos Dias e 5 assessores da Comissão Nacional da Verdade, onde parte destas denúncias foram apresentadas por representantes das entidades citadas acima[14].
Convidamos aos estudantes de História presentes a este XXXI ENEH e àqueles que participam do Movimento de Estudantes de História no país, a engrossarem fileiras junto às entidades que realizam este estudo, para desenvolvermos uma rede colaborativa de pesquisa, localização de documentos e sistematização das violações dos Direitos Humanos dos Índios brasileiros, de forma a fortalecermos mecanismos de participação, conscientização e não-repetição destes massacres, assassinatos, genocídios contra nossa população originária.
Conclamamos aos jurados a deliberar pelo encaminhamento de moção à Presidência da República e aos membros da Comissão Nacional da Verdade no sentido de que seja criado esse eixo temático, conforme deliberação deste Tribunal Popular da Ditadura.
Em memória dos índios vítimas de assassinatos seletivos, massacres, chacinas, desaparecimentos forçado, abandono e fome, dedicamos este trabalho, lembrando-os na luta dos caciques mártires da resistência indígena brasileira Marçal Guarani, Ângelo Kretân, Chicão, Orides Belino Correia da Silva e Nízio Gomes, para fatos como os vividos sejam conhecidos e Nunca Mais aconteçam.
Sem mais, atenciosamente;
Marcelo Zelic
Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Coordenador do projeto Armazém Memória.
[1] Recentemente lançou a campanha de apoio, através do Manifesto: Eu Apoio a Causa Indígena que pode ser acessado em:http://www.ajd.org.br/documentos_ver.php?idConteudo=114
[2]http://resistenciaindigenacontinental.blogspot.com.br/2012/04/povos-nativos-e-ditadura-militar.html
[3] w.ihu.unisinos.br/entrevistas/508652-waimiri-atroari-desaparecidos-politicos-entrevista-especial-com-egydio-schwadeww
[4]http://urubui.blogspot.com.br/2011/02/2000-waimiri-atroari-desaparecidos-na.html
[5] Veja a parte inicial de seu depoimento no Youtube:http://www.youtube.com/watch?v=73kUR_beRPM
[6] Citação feita:http://www.youtube.com/watch?v=9Q4WpBAu3-A
[7] Será necessário digitalizar e indexar a documentação reunida.
[8] Íntegra da Resolução 65 de 1968.http://www2.camara.gov.br/legin/fed/rescad/1960-1969/resolucaodacamaradosdeputados-65-20-marco-1968-320213-publicacaooriginal-1-pl.html
[9] Anexo do relatório de 12 de dezembro de 1969 do CDDPH assinado por Danton Jobim com lista de processados e nº do processo..
[10] Folha de São Paulo 28/03/1968
[11]http://www.jusbrasil.com.br/diarios/3031309/dou-secao-1-10-09-1968-pg-22/pdfView
[12]http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD20ABR1968.pdf#page=16
[13]http://pib.socioambiental.org/pt/povo/maxakali/774
[14] Participaram da reunião Kenarik Boujikian Felippe, Rose Nogueira, Antonio Funari Filho e Marcelo Zelic, onde ficou combinado que o tema seria levado a discussão com os demais membros da Comissão Nacional da Verdade.
http://blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/comissao-da-verdade-podera-investigar-massacre-de-indios-ocorridos-no-periodo-da-ditadura-militar/

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