sexta-feira, 14 de setembro de 2012

VALE E TRABALHO ESCRAVO

msg enviada por beth flores

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 16ª REGIÃO

CONSULTA JURISPRUDENCIAL - INTEIRO TEOR 


NUMERO ÚNICO: 01432-2009-013-16-00-3-

RO
RECORRENTE: MARCELO TESTA BALDOCHI
Adv.:Dr(s). JOSÉ CLETO DE VASCONCELOS
RECORRIDO: RAIMUNDO ALVES DA SILVA
Adv.:Dr(s). JOSÉ AUGUSTO DIAS
DES(A). RELATOR(A): LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR
DES(A). PROLATOR(A) DO ACÓRDÃO: JOSÉ EVANDRO DE SOUZA
DATA DE JULGAMENTO: 06/09/2012    -    DATA DE PUBLICAÇÃO: 13/09/2012

E M E NT ATRABALHO ANÁLOGO À CONDIÇÃO DE ESCRAVO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DANO MORAL. EXCLUSÃO. A caracterização do trabalho escravo pressupõe a existência de meios de coação, sejam físicos, psicológicos, morais ou mesmo por dívidas, que impeçam ou dificultem o exercício da liberdade de ir e vir do trabalhador, situação não verificada, haja vista que o reclamante usufruiu irrestritamente do referido direito. Recurso ordinário conhecido e provido.


R E L A T Ó R I OVistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, oriundos da Vara do Trabalho de Açailândia/MA, em que figuram como recorrente MARCELO TESTA BALDOCHI e como recorrido RAIMUNDO ALVES DA SILVA, acordam os desembargadores da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento, nos termos deste voto.

Adoto o relatório do Exmo. sr. Desembargador Relator:



Trata-se de Recurso Ordinário interposto por Marcelo Testa Baldochi em face da decisão da Vara do Trabalho de Açailândia/MA que deferiu ao autor (Raimundo Alves da Silva) indenização por dano moral, no valor de R$ 7.000,00, em razão da submissão do obreiro a trabalho análogo à condição de escravo (fls. 144/145).



Insatisfeito, o reclamado busca a reforma da sentença insistindo no indeferimento da indenização deferida, alegando inexistência da conduta a si imputada (fls. 148/177).



Contrarrazões da parte adversa, às fls. 184/189.



Parecer do douto MPT, às fls. 206/211, pelo conhecimento e, no mérito, pelo improvimento do recurso.


V O T OAdmissibilidade

Conheço do recurso interposto, vez que atendidos os pressupostos de admissibilidade.



Mérito

O recorrente se insurge contra a sentença de fls. 144/145, que julgou procedente a ação indenizatória, condenando-o a pagar ao recorrido indenização por danos morais, no valor de R$ 7.000,00, acrescida de atualização monetária e juros de mora.

O magistrado de 1º grau fundamentou sua decisão, afirmando que restaram plenamente comprovadas as precárias condições em que o trabalho era realizado pelo reclamante, imputando ao demandado a responsabilidade pelos supostos danos causados ao obreiro, sob o manto da culpa in vigilando, pelo simples fato de ser o titular do imóvel rural e de ter conhecimento das atividades de "roço" ali desenvolvidas. Destacou ainda que as instalações eram rudimentares, sendo desprovidas de condições mínimas de moradia e higiene, que a alimentação fornecida era precária e que a água era imprópria ao consumo.

Passemos à análise dos fatos.

Primeiramente, cabe ressaltar que o próprio reclamante, por ocasião da tomada de declarações perante as autoridades fiscalizadoras do Ministério do Trabalho, acostado às fls. 41/42, assim afirmou, in verbis:"que mora na cidade de Alto Alegre do Pindaré-MA e soube que seu vizinho, sr. Raimundo Nonato da Silva Ribeiro, iria para o povoado Nova Vida procurar trabalho em uma das fazendas da Região; que dois dias depois de Raimundo Ribeiro ir pra Nova Vida, pegou um trem em sua cidade e desceu no citado povoado com outros três colegas; que em Nova Vida foi informado que Raimundo Nonato tinha ido para a fazenda Por do Sol, local em que o sr. Zé Bembem estava contratando empregados para trabalhar no roço de pasto; (...) que a fazenda dista aproximadamente trinta e dois quilômetros da fazenda Pôr do Sol, percurso que foi feito pelo declarante e por seus colegas a pé; que saíram de Nova Vida e depois de quase cinco horas de caminhada chegaram à fazenda e falaram com o sr. Zé Bembem, responsável pelo trabalho de roço na propriedade; que Zé Bembem afirmou ao declarante que o pagamento seria feito por diária no valor de R$ 15,00 (quinze reais)... que ao chegar à fazenda ficou alojado em uma casa de madeira na entrada da propriedade e colocou sua rede na parte de fora da casa, na varanda, uma vez que não havia espaço para todos os trabalhadores dentro da casa... que comprou uma bota, no valor de R$ 15,00 (quinze reais), que seria descontado de seu pagamento; que não pagou tal valor em dinheiro, porque o único pagamento que recebeu em seus quase três meses de trabalho foi no valor de R$ 10,00 (dez reais), no dia de sua saída, no final de julho; que o declarante e seus companheiros de Alto Alegre do Pindaré resolveram sair da fazenda depois da ameaça sofrida por Juscelino, feita pelo capataz Carlão; que solicitaram seu pagamento a Zé Bembem e este disse que não tinha dinheiro suficiente e somente poderia pagar R$ 10,00 (dez reais) a cada trabalhador; que vendeu sua foice em Nova Vida por R$ 10,00 (dez reais) para completar o valor de sua passagem até Açailândia". (grifei).

Pois bem.

Diante das declarações feitas pelo próprio reclamante, no momento da fiscalização ocorrida em seu local de trabalho, cabe ressaltar, primeiramente, que o obreiro deslocou-se espontaneamente à procura de trabalho, não tendo sido arregimentado em sua cidade de origem pelo reclamado ou por qualquer mandatário seu.

Outrossim, é de causar estranheza que mesmo depois de ter trabalhado por quase três meses e de supostamente ter recebido, no final de julho/2009, tão somente, R$ 10,00 pelos serviços prestados, o autor tenha tido interesse em retornar àquele "trabalho degradante", pagando passagem de trem e tendo que andar a pé, por mais de 5 horas, para chegar até a fazenda demandada, em período inferior a 2 meses, haja vista que a ação fiscal ocorrera no período de 12 a 19/09/2007 e o depoimento do trabalhador ocorreu em 13/09/2007.

Será que o reclamante usufruía de melhores condições de moradia, alimentação e trabalho em sua cidade de origem? Será que vivenciava uma realidade tão díspare daquela apresentada no relatório dos Auditores Fiscais do Trabalho?

Custa me crer que alguém submetido a condições degradantes e distantes de sua realidade social, se dispusesse a retornar a local, do qual já tinha conseguido sair.

Quanto à questão da caracterização do trabalho escravo, entendo não existir subsídios para tanto, haja vista que, em nenhum momento, fora aventado pelo autor qualquer impedimento à sua ampla liberdade de locomoção, seja por coação física, psicológica, moral ou mesmo por dívidas. Tanto é assim, que o próprio obreiro declarou ter retornado à sua cidade origem e depois ter feito o caminho de volta ao trabalho dito degradante. Ora, a liberdade de ir e vir é incompatível com a condição de trabalhador escravo.

Em relação às condições de moradia, ditas aviltantes, sem banheiro e tratamento de água e esgoto adequadas, mister que façamos algumas reflexões. Vejamos. É patente que a maior parte da população mundial, mormente dos países periféricos, como é o caso do Brasil, vivencia uma realidade social de privação, seja como morador das periferias nas grandes cidades, seja como habitante da zona rural.

Não raro, tomamos conhecimento de que, em pleno século XXI, grandes cidades brasileiras não dispõem de condições ideais de saneamento básico, tais como tratamento de água e esgoto, realidade essa que não muito diferente da que se espera encontrar em locais que estão incrustados no meio do mato, distantes mais de 32 km do povoado mais próximo.

Sem irmos longe, faço o seguinte questionamento: quantos de nós confiamos no tratamento de água recebido pelas empresas de abastecimento, que servem nossas residências e nossos locais de trabalho? Se formos pensar sob esse prisma, todos nós estamos submetidos a situações degradantes e passíveis de reparação por dano moral.

Todo trabalho desenvolvido, seja como operário da construção civil, seja como catador de lixo, seja como gari, seja como trabalhador rural, lidando com o cultivo da terra, na agricultura ou mesmo na pecuária, cada trabalhador cumpre um papel relevante para o desenvolvimento econômico da sociedade, se submetendo às condições próprias do exercício da função desempenhada, de acordo com a realidade e o contexto em que se desenvolve.

Não se pode querer aplicar à realidade de um trabalhador rural, do nordeste brasileiro, um ambiente de trabalho diverso do que fora apresentado na situação em análise. É surreal pretender aplicar ao local, onde são realizadas as frentes de trabalho rural, estrutura e ambiente de trabalho próprios dos grandes centros urbanos, que atendem às necessidades das atividades ali desenvolvidas.

Contudo, cabe anotar que, não pretendo fazer apologia das condições retratadas nos presentes autos, nem tampouco entendo que tais condições sejam as ideais. Apenas busco uma reflexão acerca das diferenças existentes entre as condições ditas ideais e aquelas que verificamos na realidade, no nosso dia-a-dia, ou que, pelo menos, faz parte do cotidiano daqueles que vivem e trabalham na zona rural.

A prova maior de que as condições usufruídas pelo trabalhador nas dependências da reclamada não são diferentes ou alheias ao seu cotidiano, é o fato de que o mesmo não vislumbrou qualquer óbice em retornar ao mesmo local, para exercício da mesma atividade e sob as mesmas condições, em menos de 2 meses após seu regresso à cidade de origem.

Atribuir à reclamada a obrigação de indenizar o reclamante pelas condições retratadas, seria o mesmo que admitir que todos nós seríamos obrigados a indenizar uns aos outros, pelas situações que são próprias, inerentes ao contexto social, cultural e econômico em que vivemos.

Ante o exposto e considerando que a reclamada já quitou todas as verbas salariais e rescisórias, porventura devidas, firmo convicção de ser incabível a indenização por danos morais, razão pela qual julgo totalmente improcedente a presente reclamação trabalhista.

Custas invertidas, porém dispensadas.


A C Ó R D Ã OPor tais fundamentos, acordam os desembargadores da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para julgar improcedente a reclamação. Custas dispensadas.

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