segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Mudar a vida das mulheres para mudar o mundo, mudar o mundo para mudar a vida das mulheres: nós viemos para ficar

marcha mundial das mulheres
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Mudar a vida das mulheres para mudar o mundo, mudar o mundo para mudar a vida das mulheres: nós viemos para ficar

Por Maria Julia Montero*
Na última semana de agosto, entre os dias 28 e 30, aconteceu o Seminário Internacional da SOF – Feminismo, economia e Política. Foram três dias de intenso debate, com ótimas mesas, com muita gente boa falando coisas maravilhosas que nos ajudam a enxergar um pouco melhor as coisas, estruturar melhor nossas ideias, e avançar na nossa luta, melhorando nossa atuação no dia-a-dia, na militância, dentro e fora de casa (afinal, não adianta ser muito revolucionária só da porta pra fora, né?).
Com isso a gente vê bem os dois lados da luta: a teoria e a prática. Um não existe sem o outro. Mais do que um seminário de formação, foi um seminário de preparação militante, que nos armou para nossas próximas ações aqui no Brasil (e fora dele também, por que não?).
Mas, enfim: feminismo, economia e política: o que essas três coisas têm a ver?
O capitalismo também depende do trabalho doméstico.
Bom, a gente sempre fala da importância do feminismo em todos os debates, e que não dá para tratá-lo como uma coisa à parte. Sendo um tema transversal, ele está presente desde a discussão sobre aborto até a agroecologia. Ou seja: não dá pra ignorar as mulheres.Não dá pra pensar sobre o sistema em que vivemos sem pensar na questão das mulheres (e seria uma só?). E não podemos pensar nisso só porque é preciso libertar as mulheres para termos mais gente nas nossas fileiras, mas sim porque a opressão e exploração das mulheres é estruturante da nossa sociedade, que é capitalista e também patriarcal. Como vamos pensar a economia no mundo capitalista sem levar em consideração o trabalho doméstico?
Os problemas das mulheres são concretos, materiais, e é essa análise que nos diferencia de setores que consideram o machismo um problema meramente cultural. Aqui, cito Tatau Godinho: não acreditamos no socialismo utópico, que visava ganhar a consciência dos patrões. Tampouco acreditamos que é possível a mudança espontânea da consciência dos homens: nós precisamos de medidas concretas que alterem a correlação de forças na sociedade, se não, não há mudança.
Obviamente, não é possível colocar em poucas linhas tudo que foi tratado nos debates. Porém, cito aqui um tema que foi ressaltado em vários momentos do seminário, principalmente no último dia: a reapropriação liberal do discurso feminista. Essa reapropriação acontece de várias maneiras, mas tratarei aqui mais especificamente dela em dois momentos: nas Marchas das Vadias, e no debate sobre a prostituição.
Participamos das várias Marchas das Vadias que aconteceram pelo país, e as encaramos como espaços importantes, no intuito de iniciar um debate a respeito da violência sexista, porém, não podemos deixar de fazer nossas ressalvas: em muitas das Marchas (na verdade, na esmagadora maioria), ao lado de muitos cartazes com a palavra “feminismo” e outras palavras de ordem contra a violência, estavam cartazes com os dizeres “somos livres, somos vadias”.  A frase coloca-se como algo supostamente emancipatório, porém, é preciso prestar atenção em algumas coisas: em primeiro lugar, o fato de que as verdadeiras vadias, as mulheres prostituídas, não são livres. A prostituição é a maior expressão de opressão e exploração das mulheres, muito distante do que idealizamos como uma sexualidade livre. Além disso, as mulheres não prostituídas tampouco são livres, porque não é possível pensar em liberdade partindo de uma noção individual. A luta é coletiva por uma liberdade coletiva. Não importa o quão “consciente” eu seja: continuo ganhando menos, sofrendo violência, enfim, valendo menos do que um homem perante a sociedade.
Nessas marchas, ainda, muitas mulheres optaram por se vestir de “puta”, porque “ser vadia é ser livre”. Há um grande problema nisso, porque ao invés de nos emancipar, nos impõe um padrão de “liberdade” (a mulher livre é obrigatoriamente aquela que gosta de transar, e quem gosta de transarusa minissaia e corpete). Além disso, essas roupas atendem justamente a padrões de beleza machistas.
As placas dizem: “A prostituição é um campo de concentração a céu aberto. Onde o meu pênis, teu pênis, todos os pênis transformam-se em picanas, que torturam, que violam, que provocam doenças, que machucam, que emudecem. Diga não a essa violência”.
É nesse mesmo sentido a preocupação com relação à prostituição. Há duas visões errôneas a respeito dessa problemática: a visão moralista, e a visão liberal (e não libertária). Por um lado, há setores extremamente conservadores que se colocam contra a prostituição por entenderem-na como algo pecaminoso, e acabam por criminalizar as prostitutas. Já o segundo setor entende essa ocupação como uma forma de expressão da sexualidade (curiosamente, ninguém explica por que essa seria majoritariamente uma forma de expressão da sexualidade feminina, somente), quando, na realidade, é fruto de uma sociedade profundamente desigual, marcada pela lógica do lucro.
Nesse sentido, é preciso reafirmar o feminismo como um movimento que questiona profundamente a nossa sociedade: um feminismo de esquerda, anti-capitalista e, enfim, socialista. Se encaramos nossos problemas como sistêmicos – ou seja, integrantes e estruturantes de nossa sociedade -, não podemos adotar discursos que pouco ou nada questionam essa situação (como tem sido o discurso da prostituição enquanto liberdade, da emancipação como algo individual, ou do “somos livres, somos vadias”.). Para que nossa militância seja de fato questionadora, que coloque em risco o atual sistema, e proponha soluções, é preciso que conheçamos as entranhas da nossa sociedade, porque não adianta querer dar um remédio se não temos o diagnóstico correto.
É por isso que aquela nossa velha palavra de ordem, que permeou todo o seminário, e que mais caracteriza a Marcha Mundial das Mulheres nunca foi tão atual: mudar a vida das mulheres para mudar o mundo, mudar o mundo para mudar a vida das mulheres. Aquelas e aqueles que têm como objetivo uma sociedade mais justa não podem seguir ignorando as mulheres. E se ignorarem, nós estaremos lá para fazê-los lembrar que viemos pra ficar.
Fotos de Sonia Sánchez: http://migre.me/aFBEd
*Por Maria Julia Montero, estudante da Letras USP e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

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