domingo, 30 de setembro de 2012

Energia: pequenos avanços, grandes retrocessos

ihu
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/514086-energia-pequenos-avancos-grandes-retrocessos


Energia: pequenos avanços, grandes retrocessos

O Ministério de Minas e Energia colocou em consulta pública nesta segunda-feira (24) a versão preliminar do Plano de Expansão Decenal de Energia de 2021. O plano, que é atualizado anualmente e que prevê os rumos energéticos do Brasil para os próximos dez anos, apresenta avanços em relação às edições anteriores, mas mantém outros tantos retrocessos.
A reportagem é do Greenpeace, 28-09-2012.

Uma das constantes do plano nos últimos anos é a de superestimar o PIB médio para a década. Jogar o indicador para cima resulta em uma demanda energética inflada, superior ao que o país realmente necessitará no futuro. A cada ano, o plano tenta redimensionar as projeções energéticas do ano anterior, mas insiste em fazer previsões econômicas otimistas. O plano atual prevê que a demanda de eletricidade se espandirá em 52% na próxima década, por consequência de um PIB médio de 4,7% no período.

A expansão do sistema elétrico para atender a essa demanda projetada deve dividir-se entre grandes hidrelétricas(50,4%), termelétricas fósseis nucleares (15,6%) e fontes renováveis como eólicas, PCHs biomassa (34%). Em relação às primeiras, deverão ser construídos 33 mil MW em hidrelétricas, a maior parte delas na Amazônia. As consequências diretas são o alagamento de uma área de 6.456 km2 (afetando diretamente 62 mil pessoas), e a perda de 3.450 km2 de vegetação nativa, o que equivale a cerca de metade do que é desmatado por ano na Amazônia. 

As novas energias renováveis (eólicas, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas) têm sua participação aumentada na matriz elétrica em 2021 para 19,8% (contra 15,9% na edição anterior), com investimentos previstos acompanhando essa expansão – de R$ 62,1, no plano anterior, para R$82,1 bilhões.

Infelizmente, estas projeções e investimentos não incluem a energia solar, o que é um sinal ruim para um setor que se prepara para se desenvolver no Brasil, com o recente anúncio de uma regulamentação específica pela Aneel(Agência Nacional de Energia Elétrica). A fonte conta com um potencial energético dezenas de vezes maior do que qualquer opção, mas a EPE ainda usa o argumento dos altos custos para sequer considerá-la no horizonte de tempo de médio prazo.

Na parte das termelétricas, a boa notícia é que a projeção para térmicas a óleo combustível e diesel foi reduzida, por conta de usinas leiloadas que não se concretizaram. Mas a má noticia é que a usina nuclear de Angra 3 continua nos planos e outras novas plantas apenas não foram incluídas por conta do curto horizonte de tempo (dez anos é pouco para definir local e executar toda a construção).

A principal alternativa à expansão de usinas insustentáveis, a adoção de medidas de eficiência energética, foi novamente minimizada no plano. A ambição da redução do consumo energético como consequência da implementação de ações de eficiência é de 5,9% até 2021. O número poderia ser mais alto apenas com o aumento da participação de aquecimento solar em residências, sem contar com outras ações de substituição de equipamentos e revisão de hábitos de consumo.

No campo dos combustíveis, verifica-se algumas contas que não fecham. O governo usa o trunfo do etanol e dosbiocombustíveis como uma das principais formas de reduzir as emissões do setor de transportes. Consequentemente, o plano segue a premissa de que a oferta do etanol aumentará e o tornará novamente competitivo frente à gasolina. O problema é que os investimentos previstos para tanto caíram sensivelmente em relação à cifra anterior (R$71 bilhões contra R$ 97 bilhões no plano anterior).

E os já elevados investimentos previstos para petróleo e gás natural aumentaram e a previsão é de que totalizem R$749 bilhões nos próximos dez anos (superior aos 686 bilhões do PDE anterior). Elevar os investimentos em combustíveis fósseis equivale a aumentar sua queima, uma das responsáveis pelas emissões de gases estufa que causam as mudanças climáticas. 

O diagnóstico geral para o Plano de Expansão Decenal de Energia 2012-2021 é de que, apesar de alguns avanços em relação à versão anterior, boa parte de suas premissas e previsões, criticadas há anos pela academia e sociedade civil, continuarão a exercer altos impactos ao meio ambiente e à sociedade nos anos por vir.

O plano está disponível no site da EPE e aberto a consulta pública a todos os interessados até o dia 31 de outubro deste ano.

sábado, 29 de setembro de 2012

“Apropriação verde” não passa de ideologia

((eco))
http://www.oeco.com.br/marc-dourojeanni/26500-apropriacao-verde-nao-passa-de-ideologia?utm_source=newsletter_513&utm_medium=email&utm_campaign=as-novidades-de-hoje-em-oeco



Um artigo recente de três cientistas sociais britânicos promete mais dores de cabeça aos ambientalistas. Trata-se de “Green Grabbing: a new appropriation of nature?” (algo como “Acumulação verde: Uma nova modalidade de apropriação da terra?”), de James Fairhead, Melissa Leach e Ian Scoones, publicado em The Journal of Peasant Studies, Vol. 39, No. 2, páginas 237–261, 2012). Indo contra a corrente, os autores afirmam que a conservação de amostras de ecossistemas naturais através de áreas protegidas, tanto públicas como privadas, bem como a aplicação de iniciativas de compensação econômica pela retenção ou fixação de carbono, é uma perigosa réplica neoliberal do colonialismo e do neocolonialismo, que teria despojado de terra milhões de pessoas. Entre outras coisas, eles sentenciam que conservar a natureza dessa forma é uma imoralidade, embora por certo não mencionem quais são as alternativas.

Esses autores e alguns dos comentários favoráveis às suas especulações são cuidadosos em acumular num mesmo saco: (i) a compra de terras para fazer agricultura intensiva para commodities e para os supostamente desejáveis biocombustíveis, (ii) o estabelecimento de áreas protegidas, incluindo as que existem desde o século passado e, assim mesmo, (iii) os acordos entre os legítimos proprietários da terra, sejam indígenas ou camponeses, e os que negociam créditos de carbono, fora ou dentro dos acordos internacionais, como no caso da proposta conhecida como REDD ou REDD+ (redução de emissões de carbono por desmatamento e degradação evitados).  Juntar essas diferentes situações ajuda a defender a tese de que existe uma confabulação do neoliberalismo imperial para roubar a terra dos que a necessitam. 

De fato, é evidente uma extraordinária expansão da demanda no mercado de terras para agricultura em todos os trópicos do mundo e, por certo, também na Amazônia, em especial na brasileira e agora também na colombiana. O pretexto “verde” para essa expansão, como no caso dos biocombustíveis é, e ninguém dúvida disso, uma falácia. Bem sabido, no processo da produção, distribuição e uso de biocombustíveis acumulam-se mais impactos negativos que positivos para o meio ambiente. Ainda assim, embora ecologicamente arriscada quando destrói florestas remanescentes, não cabe afirmar enfaticamente que a expansão atual da atividade agropecuária é sempre feita atropelando os direitos dos povos, como foi na época colonial africana. Lembre-se que na época colonial sul-americana quase ninguém se interessou por acumular terras na Amazônia. 

Entretanto, os três ingleses não insistem demais nesse ponto. Ao contrário, focam suas baterias contra o estabelecimento de toda forma de áreas protegidas e os negócios de carbono. Eles nem se dão ao trabalho de distinguir entre as áreas de preservação permanente e aquelas de uso sustentável – que constituem a maior parte das áreas protegidas e que abrigam uma população local que nelas mora e trabalha, explorando os recursos naturais. Os autores tampouco oferecem cifras para justificar suas denúncias. Atacam com ferocidade todas as modalidades de transações por carbono ou por água que, como bem se sabe, em geral não geram transferência da posse sobre a terra. Nesse sentido, argumentam que as restrições ao uso da terra contidas nos acordos são injustas para com os seus habitantes. 

Analisando caso a caso é, com efeito, possível que existam dentre os poucos negócios já realizados, alguns que contenham condições abusivas, especialmente quanto à repartição dos benefícios ou lucros. Outra coisa bem distante é sentenciar que toda opção de negócios de carbono é prejudicial aos povos locais. Pior, é uma inversão dos fatos. Mencionam o receio dos indígenas amazônicos por esses acordos, porém não reconhecem que estes estão aproveitando a oportunidade da aplicação de REDD ou REDD+ para reclamar ou consolidar seus direitos reais ou pretensos sobre a terra.  De qualquer modo, no Brasil, na Colômbia ou no Peru, os índios já são os maiores donos de terra na Amazônia e, obviamente, estão muito interessados nos negócios de carbono que podem beneficiá-los mais que qualquer outra iniciativa. 

Os autores afirmam que suas conclusões são baseadas em evidências na África, Ásia e América. Contudo, nas 26 páginas do texto são escassas as provas de tais evidências. Na América do Sul, apenas uma é mencionada. Ela é discutível, pois se trata de uma denúncia unilateral referente a um conflito entre o turismo e habitantes do Parque Nacional Tayrona, da Colômbia. Conflitos como este ou de um caso também mencionado na Guatemala certamente ocorrem, mas são exceções e não a regra. Os poucos exemplos, controversos e cuidadosamente escolhidos para defender a tese, não dão legitimidade a uma generalização grosseira. 

Preservar a natureza, para quê?

Como acontece com frequência, no intuito de ganhar notoriedade, os autores propalam uma mensagem perigosa. A conclusão óbvia da leitura deste texto é que não se deve preservar a natureza -- ela vai bem sem intervenção -- seja na forma de áreas protegidas de qualquer categoria ou através do pagamento por serviços ambientais aos donos da terra que preservam suas florestas. Isso vai contra tudo o que se sabe e o que pode ser feito para assegurar um futuro melhor à humanidade. 

Na verdade, o que move os autores é pura ideologia. Eles denunciam o neoliberalismo e a economia de mercado.   Para eles, não é ético “vender natureza para salvá-la”. Novamente, o curioso é que o estabelecimento de áreas protegidas ou os negócios de carbono, tão atacados no artigo, em geral não envolvem nenhuma venda ou compra de terra.  Ou seja, elas não implicam arrebatamento de nada, o “grabbing” do título do artigo. A maior parte das áreas protegidas se estabeleceu sobre terra pública.  Os autores criticam o conceito dos certificados de conservação de áreas. Mencionam a modalidade “adote um hectare de parque” e, com óbvia má fé, ligam-na a uma alienação da propriedade, que no caso não acontece. 

De outra lado, é difícil entender porque seria errado comprar terra para preservá-la.  Isso foi feito e incentivado pela The Nature Conservancy por muitas décadas e, na atualidade, grande parte da terra assim adquirida tem sido entregue aos governos, nacionais ou locais, para uso público.  A tese desses autores é um golpe baixo contra as reservas particulares de patrimônio natural do Brasil e de outros países, caso em que realmente existe compra e venda de terras. As reservas particulares são uma ferramenta essencial para a criação de corredores ecológicos. Qual é o problema de comprar terra para cuidar dela em vez de desmatar tudo para criar gado, plantar soja ou construir prédios?   

Na década de 50, protegia-se a natureza com base em argumentos éticos e estéticos. Dizia-se “o homem não tem o direito de destruir a obra de Deus”. Era a época da “proteção” da natureza. Essa filosofia pouco ajudou a conservar a natureza e seus recursos. Nos anos 80, inventou-se a “conservação” da natureza, acomodando critérios sociais e econômicos junto aos ecológicos e éticos. Mais tarde, devido ao crescimento desproporcionado da variável social, surgiu a deformação conhecida como “socioambientalismo”.  Muita terra foi aparentemente protegida, porém isso pouco adiantou, pois os habitantes dessas áreas não conseguiram compatibilizar a busca por prosperidade com conservação. 

Já a partir deste século, com a chegada dos economistas ao debate, incorporaram-se outras opções mais pragmáticas, baseadas em mecanismos de mercado (“economia verde”). Elas podem funcionar melhor já que abrem um leque mais amplo de oportunidades, especialmente através do prêmio efetivo aos que cuidam do bem comum. 

Contudo, esses teóricos sociais ingleses agora declaram que a Rio+20, ao preconizar a economia verde, está “pondo em risco as sociedades locais e que tem aumentado a percepção de que as soluções baseadas no mercado são a panaceia, cerceando o valor intrínseco da natureza”. 

Parece que preconizam um retorno ao protecionismo contemplativo, sem proteger nada de concreto, apenas confiando na sabedoria humana. 

A eventual aplicação da tese dos autores e dos seus defensores como Terry Sunderland, do Centro para a Investigação Forestal Internacional (CIFOR) -- uma instituição que no lugar de fazer pesquisa científica para o manejo sustentável das florestas, o que é seu mandato, dedica grande parte de seus esforços a promover um anacrônico socialismo florestal -- não deixaria instrumentos disponíveis para evitar o colapso do ambiente. 

Com efeito, a consequência mais irritante dessa argumentação é que ela não propõe alternativas à evidência inegável da destruição do meio natural, dos recursos renováveis e do ambiente planetário. Trata-se de uma versão de esquerda do velho “laissez-faire, laissez-passer”. Nesse caso, deveria ser chamada “não se preocupe.... Deus proverá”.


Relatoria de Meio Ambiente apoia "Campanha Pare TKSA"

dhesca
http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=672:relatoria-meio-ambiente-apoia-campanha-pare-tksa&catid=69:antiga-rok-stories


Relatoria de Meio Ambiente apoia "Campanha Pare TKSA" e recomenda revogação da licença de instalação da siderúrgica

A Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente publicou uma nota na qual manifesta seu apoio e reforça as ações da “Campanha Pare TKCSA”, composta por organizações e movimentos sociais nacionais e internacionais e moradores e pescadores da Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, que buscam impedir a venda da Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), tendo em vista as inúmeras violações de direitos humanos cometidas pela empresa.
O prazo para que as empresas interessadas na compra da TKSA apresentem suas propostas termina nesta sexta-feira (28). Leia a nota:

Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente Apoia “Campanha Pare TKCSA”
e recomenda a revogação da licença de instalação da Siderúrgica
 
A Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, vem por meio deste documento manifestar seu apoio e reforçar as ações da Campanha Pare TKCSA composta por organizações e movimentos sociais nacionais e internacionais e moradores e pescadores da Baía de Sepetiba no Rio de Janeiro, que buscam impedir a venda da Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) tendo em vista as inúmeras violações de direitos humanos cometidas pela empresa.
Como instância que acolhe, averigua e monitora denúncias de violações do direito humano ao meio ambiente e apresenta recomendações aos órgãos públicos, para Relatoria de Direito Humano ao Meio Ambiente a iniciativa da Campanha Pare TKCSA é de suma importância por alertar os possíveis compradores da empresa sobre os problemas e violações cometidos pela mesma desde o início da sua instalação em 2006. Considerando as denúncias recebidas por esta Relatoria e em concordância com a Campanha, recomenda-se a revogação da licença de instalação da empresa, que têm demonstrado incapacidade de enfrentar as graves violações cometidas ou de cumprir com a legislação brasileira e os direitos ambientais nela contidos.

Neste dia 28 de setembro de 2012, quando a TKCSA receberá as propostas de compra da sua planta em Santa Cruz, é importante recordar para os possíveis compradores como também para o Secretário de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro, Carlos Minc, o Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, responsável pelo financiamento de R$ 2,36 bilhões para a siderúrgica e os demais órgãos do Estado do Rio de Janeiro que forneceram R$ 700 milhões de isenções fiscais de
 2007 a 2010 para a empresa, que a sua história é marcada por severas denúncias de violações de direitos, conflitos e injustiças ambientais.
Desde 2005, moradores de Santa Cruz e pescadores da Pedra de Guaratiba, além de movimentos sociais e pesquisadores, vêm denunciando o processo de instalação do complexo siderúrgico da TKCSA. As denúncias englobam de violações aos direitos trabalhistas, ilegalidades no processo de licenciamento, severas agressões ambientais e à saúde da população, a processos de criminalização de defensores e defensoras de direitos humanos da localidade.
A obra foi embargada pelo IBAMA em dezembro de 2007 por desmatar manguezais, foi autuada pelo Ministério Público Federal por construir a ponte de acesso ao porto sem autorização da Secretaria do Patrimônio da União, e embargada pelo Ministério Público do Trabalho pela ausência de equipamentos de proteção individual no canteiro de obras.  Segundo o relatório do Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público Estadual (GATE), a empresa, desde o início, conduziu as obras de construção sem respeitar o Estudo de Impacto Ambiental aprovado pelas autoridades ambientais. Em virtude dessas ilegalidades, atualmente, ela é objeto de duas ações penais do MPRJ que a acusam de crimes ambientais e pedem a condenação de quatro dos executivos que estavam à frente da empresa (CAMPANHA PARE TKCSA, 2012).

Neste contexto, um passo importante no sentido de garantir o respeito, a defesa e a promoção dos direitos humanos no Estado do Rio de Janeiro seria não prorrogar e sim revogar a licença de instalação da TKCSA. Recomenda-se que o BNDES como principal emprestador da empresa e com poder para tanto, proíba a venda da mesma e colabore na reparação dos problemas sociais e ambientais gerados também por sua própria ação quando libera recursos para uma obra sem licença de operação e para uma atividade industrial altamente poluente e cujos efeitos nocivos são publicamente explicitados pela população impactada e pela sociedade civil organizada. Por sua vez, o Estado do Rio de Janeiro tem a obrigação e a responsabilidade de implementar as propostas promovidas pelas populações da Baía de Sepetiba na defesa da mesma e de promover a justiça ambiental e os direitos desta população.

O estabelecimento de uma nova cultura de Direitos Humanos no Brasil passa necessariamente pela consideração das denúncias de violações e a implementação das recomendações e propostas apresentadas por coletivos como a “Campanha Pare TKCSA” e processos que gozam de ampla legitimidade na sociedade civil brasileira como a Relatoria de Direito Humano ao Meio Ambiente. É isso que demandamos do Estado do Rio de Janeiro.


Rio de Janeiro, 28 de setembro de 2012


Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente
Plataforma Dhesca Brasil

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A política que acaba em samba

revista fapesp
http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/02/27/a-pol%C3%ADtica-que-acaba-em-samba/


A política que acaba em samba

Gênero musical foi importante instrumento de consciência negra na década de 1970
GONÇALO JÚNIOR | Edição 192 - Fevereiro de 2012
© NIELS ANDREAS / FOLHAPRESS
Longe do exótico, uma passeata do movimento negro no Rio
Uma música pode mudar tudo, provocar um movimento, uma revolução. Ou torna-se emblemática por possuir um conteúdo inédito em seus versos. Foi o que aconteceu em 1970, quando o compositor carioca Candeia (1935-1978) lançou o samba Dia de graça, que trazia em seus versos a frase emblemática: “Negro, acorda, é hora de acordar/ Não negue a raça/ Torne toda manhã dia de graça”. “Jamais, em toda história do samba e talvez da música popular brasileira, uma exortação explícita à ação direcionada exclusivamente aos negros havia sido imiscuída em meio a versos de canções”, observa Dmitri Cerboncini Fernandes, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador da pesquisa A cor do samba: música popular e movimento negro, integrada pelos professores Sergio Miceli, da Universidade de São Paulo (USP), e Gustavo Ferreira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto é um desenvolvimento do pós-doutorado de Cerboncini, A cor do samba: música popular e movimento negro, apoiado pela FAPESP. O verso chamou tanto a atenção do pesquisador que o levou a pesquisar a biografia do autor. No caminho encontrou um movimento extremamente ativo na década de 1970 que envolveu outros sambistas engajados em questões da negritude, como Paulinho da Viola e Nei Lopes, assim como textos desses personagens que, de uma forma ou de outra, “reescreviam” a história do samba como legado da cultura africana no Brasil.
Até então o samba tinha sido descrito por cronistas, críticos e especialistas como emblema nacional, síntese das contribuições das três raças na formação brasileira, legado do construto da democracia racial que imperava desde a década de 1930. “Após a atuação desses sambistas, esse panorama começou a mudar.” Surgiram versos em louvor à africanidade e à inclusão de instrumentos musicais ligados às religiões afro-brasileiras, além da aproximação inédita ensaiada pelos sambistas com os países da África. E um panorama bem diverso irrompeu. “Paralelo a isso, ocorria o ressurgimento do movimento negro, pela primeira vez num tom afirmativo, que prezava a identidade negro-africana-brasileira e sua cultura. Creio que esses são os indícios mais fortes que apontam para a direção de um novo ‘caldo’ nascente no período, que mescla o surgimento de uma intelectualidade negra consciente, politicamente ativa, reunida contra a ditadura militar e que passava a enxergar no samba um dos principais legados negros a serem defendidos e valorizados”, observa o pesquisador.
© ARQUIVO / AGÊNCIA O GLOBO
O sambista Candeia, um dos principais representantes do movimento
Autêntico
Entre as conclusões da pesquisa, o professor descobriu a existência de uma representação surgida nos anos 1970, que conferiu ao samba “autêntico” uma nova identidade, a de legado da cultura afro-brasileira em concorrência com a de “nacional”. “Tal construto foi estabelecido por um grupamento de sambistas, jornalistas e demais intelectuais engajados nas questões latentes do período, como, por exemplo, a suposta descaracterização do Carnaval e a comercialização desenfreada e empobrecedora do samba”, explica.
Ao mesmo tempo, o movimento negro retornava com força de um longo período de desaparição forçada, “o que ensejou o encontro de ideários formulados por artistas e intelectuais afins, traçando um espaço de intercâmbio entre eles”. Fernandes acrescenta que a lógica atinente à atividade musical popular ligou-se assim às dinâmicas externas a ela, no caso, a de um dos movimentos sociais florescentes, “resultando em uma espécie de samba que participava da afirmação da identidade negra em diversos âmbitos e, em contrapartida, de um movimento negro que utilizava o samba e os sambistas como exemplos máximos da expressividade da cultura negra”. O pesquisador destaca que não se trata de afirmar que questões raciais não eram tratadas antes em versos de canções de samba, mas que as canções que falassem desses assuntos se pautavam ora por denúncias vazias, ora pelo humor – geralmente assentado nas bases do racismo cordial –, ora por motivos diversos. “O que importa ressaltar, contudo, é que jamais esses versos enalteciam a vinculação do negro ao samba como seu exclusivo produtor, criador ou cultor, fato este que só veio a irromper na década de 1970.”
© FOLHAPRESS - ARQUIVO / AE
À esquerda, Paulinho da Viola, em 1974; ao lado, Martinho da Vila, em 1977
Segundo ele, é difícil precisar como, no bojo de ampla frente formada contra o inimigo comum, a ditadura militar, um amálgama reunindo ativistas de esquerda, jornalistas, intelectuais e artistas filiados a tendências variadas ensejaria o surgimento de um grupo particular de sambistas contestadores daquela ordem, cujas atividades se notabilizaram pelo viés politizado impresso em diversas instâncias – sobretudo em suas obras musicais e literárias. “Cada sambista possuía uma trajetória distinta e havia diversos canais que interferiram na formação daquela figuração. Paulinho da Viola, Candeia e Martinho da Vila possuíam grande proximidade com jornalistas, acadêmicos, artistas e intelectuais pertencentes aos quadros do Partido Comunista Brasileiro (PCB), casos de Sérgio Cabral e Lena Frias, o que facilitava o escoamento de suas declarações, da realização de entrevistas e de suas investidas, artísticas ou não, nas mídias em que esses personagens trabalhavam.” Outros, como Nei Lopes, tinham uma formação política tendendo ao trotskismo em razão de contatos estabelecidos no período em que cursou a faculdade de direito. “Posição que era, em tese, mais afim com a dos líderes do movimento negro renascente.”
Esses sambistas engajados, afirma o pesquisador, eram relativamente “ilustrados”. Isto é, diferentemente da imagem que porventura se fazia dos antigos sambistas, eles tinham um bom nível educacional. Candeia passou em primeiro lugar em concurso público para policial civil; Paulinho da Viola era empregado da burocracia bancária; Nei Lopes era formado pela Universidade do Brasil (atual UFRJ); e Martinho da Vila era sargento do Exército. “O meio artístico naquele ínterim politizava-se sobremaneira, o que fatalmente terminava por se expressar em suas obras artísticas, haja vista que este dado fazia parte de suas vivências mais caras e imediatas.” Nesse contexto, Muniz Sodré teve importância especial, apesar de não ser sambista, mas acadêmico preocupado com as questões que envolviam o samba. Em 1979, ele publicou o livro O dono do corpo (Codecri), pioneiro da história do samba pontilhada de radicalismo e que deslocava de vez a visão até então imperante de que o samba era “nacional”, isto é, produto das três raças formadoras da nação.
© ACERVO UH / FOLHAPRESS
Sambistas de escola carioca visitam jornal e se apresentam
Coletivo
Não havia, explica Fernandes, um pensamento coletivo, um movimento consciente desses artistas. “O que ocorreu estava mais para uma confluência de inúmeros fatores não planejados, uma espécie de conjunção de várias resoluções e tensões simultâneas que envolviam elementos de ordem política, artística, intelectual, econômica, entre outros.” Para citar um exemplo, a afinidade brotada entre os ideais do movimento negro na abertura política parcial na ditadura militar com as dos sambistas e demais intelectuais e jornalistas engajados na arte popular não pode ser considerada algo antevisto.
Cerboncini joga luz sobre um período, que conta com poucos estudos acadêmicos, de grande força musical e comercial do gênero. “Desencontros de opinião refletem a falta de maior reflexão acadêmica sobre o que teria ocorrido. Do que se pode afirmar com certeza, sabe-se que Martinho da Vila e Clara Nunes estavam entre os maiores vendedores da década, acompanhados por Paulinho da Viola e Beth Carvalho, também em grande fase. Cartola, Adoniran Barbosa e Nelson Cavaquinho lançaram seus primeiros LPs nessa década, a despeito de estarem há muitos anos na estrada. À exceção das obras de Candeia, Elton Medeiros e Nei Lopes, havia ainda outros sambistas, malvistos pela crítica de modo geral, casos de Benito di Paula e Luiz Ayrão, que arrebatavam grandes cifras nas vendagens de discos”, analisa o professor. Entre as atividades políticas que apoiavam o samba, acrescenta, havia iniciativas bem-sucedidas, como as de Hermínio Bello de Carvalho e Sérgio Cabral na Funarte.
O Projeto
A cor do samba: música popular e movimento negro – nº 2010/19900-3
Modalidade
Pós-doutorado
Co­or­de­na­dor
Marcos Napolitano – USP
Investimento
R$ 42.705,69
A pesquisa possui lastros com um projeto temático coordenado por Miceli e financiado pela FAPESP, A formação do campo intelectual e da indústria cultural no Brasil contemporâneo, do qual Fernandes também faz parte. Há, nesse caso, duas vertentes de pesquisa que procuram se cruzar: uma mais voltada à análise da “alta” cultura e da intelectualidade, e outra ligada mais aos elementos “massificados”, por assim dizer. Miceli participa do estudo do samba como pesquisador sênior. “O que mais me interessou no trabalho de Dmitri foi o empenho em restituir uma história social dos sambistas fora dos parâmetros hagiográficos usuais e, também, o empenho em qualificar os aspectos musicais no trabalho criativo de sucessivas gerações”, observa Miceli. “Para entender a consagração dessa instituição, inclusive junto ao mercado fonográfico, é preciso entender como ela incorporou um determinado passado. Mais do que isso, como ela reinventou esse passado e, ao mesmo tempo, o atualizou, com a mobilização de uma inteligência estética que ia muito além da música popular em si”, analisa o professor Marcos Napolitano, do Departamento de História Social (FFLCH-USP), que foi supervisor do pós-doutorado de Fernandes.
“A música popular brasileira não aconteceu apenas como um conjunto de eventos históricos, mas também como narrativa desses eventos, perpetuada pela memória e pela história, que articulou e rearticulou eventos como se fossem expressão de ‘tempos fortes’ e ‘tempos fracos’ da história. Expressão de uma síncope de ideias dando ritmo e fluidez na passagem do tempo, construindo um enredo vivo, aberto e imprevisível, sujeito a revisões ideológicas, reavaliações estéticas e novas configurações de passado e futuro”, avalia Napolitano. Ele destaca dois aspectos na investigação de Fernandes: “É fundamental essa análise sociológica e histórica do processo de construção intelectual de um discurso sobre o samba que valoriza suas ‘raízes africanas’. Este discurso, bem como as expressões musicais ligadas a ele, tentou desvincular o samba da expressão de uma ‘brasilidade mestiça’”, afirma. O pesquisador igualmente elogia a análise que destacou as conexões entre cultura e política. “No caso, o papel da esquerda (comunista e trotskista) na valorização de um samba negro e africano.” Nem sempre tudo acaba em pizza. Pode acabar, e bem, em samba.

As páginas proibidas

REVISTA FAPESP
http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/09/14/as-paginas-proibidas/


As páginas proibidas

Lista de livros censurados pelos militares após o AI-5 revela critérios de apreensão
GUSTAVO FIORATTI | Edição 199 - Setembro de 2012
© NELSON PROVAZI
Vinte e oito caixas guardadas no Arquivo Nacional de Brasília preservaram parte de uma história que permanece com páginas incompletas. A coleção reúne documentação dos órgãos censores da ditadura militar sobre livros publicados no período que segue a criação do Ato Institucional nº 5, de 1968.
O conteúdo dessas pastas foi analisado recentemente por Sandra Reimão, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, que compôs a lista até hoje mais completa de livros submetidos à censura no período. O estudo foi apresentado no livroRepressão e resistência – Censura a livros na ditadura militar(Edusp/FAPESP, 2011) e permite analisar, agora com mais precisão, com que critérios o governo brasileiro proibia obras literárias publicadas na época, colocando sob o manto da preservação da ordem e dos bons costumes livros políticos, como O mundo do socialismo, de Caio Prado Junior, e eróticos, como Tessa, a gata, de Cassandra Rios.
Na lista ainda estão Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca; Zero, de Ignácio de Loyola Brandão; Dez histórias imorais, de Aguinaldo Silva; e Carniça, de Adelaide Carraro. No estudo de Sandra Reimão há ainda uma subdivisão para peças teatrais publicadas em livros, em que são citados os textos Papa Highirte, de Oduvaldo Vianna, e Abajur lilás”, de Plínio Marcos.
São todos livros oficialmente vetados entre os anos 1970 e 1988, período compreendido entre o ano do decreto-lei 1.077/70 – que instituiu a censura prévia com vistas a publicações literárias – e o ano em que a Assembleia Nacional Constituinte pôs fim à censura.
Os eróticos eram alvos mais comuns. “Se você olhar a legislação, a censura sempre fez referência a matérias contrárias à moral e aos bons costumes; nunca ficou explícito que havia censura a temas políticos, a textos sobre corrupção ou tortura”, conta Marcelo Ridenti, autor do livro Em busca do povo brasileiro – Artistas da revolução, do CPC à era da TV (Record, 458 páginas).
Não se trata apenas de um disfarce. “Essa era realmente uma preocupação dos censores, e a maioria dos livros censurados eram livros eróticos. A questão é que a censura, com base nesses critérios sobre a moral e os bons costumes, proibia também obras consideradas subversivas à ordem política”, conclui.
Cassandra Rios, famosa autora que voltou sua produção para prosas não raro de veia homoerótica feminina, foi uma das campeãs de veto da ditadura. Na capa do livroTessa, a gata, a autora inclusive reverte a ação da censura a seu favor, com o slogan“Um novo sucesso da autora mais proibida do Brasil”.
O estudo de Sabdra, com apoio da FAPESP, verificou que 313 obras foram vetadas, entre 492 submetidas à análise do Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP). Ou seja, do total, 179 livros foram liberados após a análise do DCDP, dado importante para compreender que havia um sistema de critérios desenvolvido pelo órgão. A censura era movida por um time de funcionários contratados por meio de concurso público, muitos deles universitários.
O número levantado por Sandra ainda não é definitivo. A lista completa de livros censurados pela ditadura dificilmente chegará a um fim, diz a pesquisadora, pois antes do decreto-lei 1.077 não havia uniformidade na metodologia da censura. “Antes de 1970 havia coação, apreensão a livros, invasão de livrarias e prisão de livreiros de maneira desorganizada. A censura era feita por órgãos do Estado e, depois do AI-5, passou a ser função do Ministério da Justiça”, diz ela.
Mesmo os documentos guardados nas 28 pastas do Arquivo Nacional podem estar incompletos. “O arquivo que existe é o que foi preservado. Não sabemos quanto desse arquivo foi perdido”, explica a pesquisadora. Os documentos guardados pelo Arquivo Nacional só ficaram disponíveis a partir do ano 2000. “Há muita novidade a respeito do assunto. Esse material ainda não havia sido analisado simplesmente porque antes não estava com uma organização mínima”, diz a pesquisadora.
Um trabalho similar, no entanto, não somente antecede a pesquisa de Sandra como lhe serve também como ponto de partida. Doutor em letras pela USP, o professor Deonísio da Silva, no livro Nos bastidores da censura, já havia indicado 430 livros proibidos pela censura durante a época do regime militar. Entre os títulos, 92 são assinados por autores brasileiros. “Eu dou continuidade ao trabalho que o Deonísio começou”, diz Sandra. Quando virou seus holofotes também para a publicação de livros, a censura já atingia amplamente e com força total outros campos de expressão artística, especialmente o teatro, a música e o cinema. “A quantidade de livros censurados é menor do que a de outros meios de diversão pública.”
Marcelo Ridenti confirma que a literatura foi “relativamente” menos atingida pela censura do que campos de expressão vizinhos. “A produção audiovisual tinha mais potência de difusão em massa. Cinema e televisão, naturalmente, eram mais visados”, explica o pesquisador. As editoras nacionais, ele prossegue, não foram obrigadas a submeter seus lançamentos à censura prévia, como acontecia com produtoras de filmes e de programas de televisão. Para colocar em funcionamento seu sistema de vigilância também sobre a produção literária nacional, os censores contavam com uma ajuda básica: as denúncias, feitas muitas vezes por cidadãos comuns.
Por ter sido menos visada, a literatura permitiu o exercício de um pouco mais de liberdade. “Serviu como válvula de escape”, diz Ridenti. “Calabar, de Chico Buarque, foi proibida em teatro, mas saiu em forma de livro”, exemplifica o pesquisador. “Com a literatura, dava para respirar um pouco mais.”
Segundo levantamento de Zuenir Ventura apresentado em 1968 – O ano que não terminou, nos 10 anos de vigência do AI-5 (1968-1978) foram censurados cerca de 500 filmes, 450 peças de teatro, 200 livros, dezenas de programas de rádio, 100 revistas, mais de 500 letras de música e uma dúzia de capítulos de sinopses de novelas.
© NELSON PROVAZI
Boa parte das denúncias reunidas entre os pareceres emitidos pelos órgãos censores – vários deles publicados nas últimas páginas do livro de Sandra com boa legibilidade, graças ao projeto gráfico de Carla Fernanda Fontana – recrimina conteúdos considerados eróticos ou pornográficos: “O livro Dias de Clichy, de Henry Miiler [sic], é um verdadeiro atentado ao pudor, no entanto encontrava-se à disposição de qualquer adolescente na Biblioteca Municipal, desta localidade”, diz carta de Usana Minette, de Lençóis Paulista, de setembro de 1974 e endereçada ao ministro da Justiça, Armando Ribeiro Falcão. O livro “… foi apoiado pelo senhor prefeito e presidente da biblioteca e só foi retirado de circulação depois de muita insistência”, continua a carta-denúncia.
Escrito à máquina, esse exemplar data justamente do período de maior atuação dos órgãos censores. A bem da verdade, é em 1975 que houve o maior número de proibições a livros nacionais. Segundo a pesquisa de Sandra Reimão, 109 livros, dos 132 analisados pela Justiça, foram censurados em 1975.
Em 1976 foram 61 os livros proibidos. Entre eles aparece Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, uma das obras mais estudadas pelos pesquisadores da censura a livros no período da ditadura. Resumidamente, o livro conta a história de três personagens que, durante os festejos de ano-novo, assaltam uma mansão, matam três pessoas, estupram uma e, no final, brindam a passagem do ano.
No parecer assinado por Raymundo F. de Mesquista com as palavras “Não Liberação” em caixa-alta preenchendo o campo “Classificação Etária”, a censura é justificada da seguinte forma: “O presente livro [...] retrata, em quase sua totalidade, personagens portadores de complexos, vícios e taras, com o objetivo de enfocar a face obscura da sociedade na prática da delinquência, suborno, latrocínio e homicídio, sem qualquer referência a sanções…” Mais adiante o documento enfim aponta que, nas páginas 31, 139 e 141, são feitas “rápidas alusões desmerecedoras aos responsáveis pelo destino do Brasil e ao trabalho censório”.
A partir de 1976, o número de livros censurados começa a cair gradualmente (ver quadro). Uma das hipóteses para esse decréscimo – no número de obras censuradas também em outras áreas das artes – é a morte do jornalista Vladimir Herzog em decorrência de tortura praticada pelos militares, em 1975.
A partir de então acentua-se a cobrança da sociedade pela redemocratização e também pelo fim da censura. “Esse é um dos fatores”, diz Flamarion Maués Pelúcio Silva, doutorando em história social e mestre em história econômica pela USP, que estuda as editoras de oposição à ditadura no Brasil. No início dos anos 1970 houve o maior número de mortes e desaparecimentos de figuras políticas que se opunham ao regime, “na militância armada ou não”. E a morte de Herzog nesse contexto, lembra Flamarion, faz com que o país “conheça de maneira mais ampla” a situação política agravada pela repressão, o que provoca uma reação imediata.
Para o pesquisador, o estudo de Sandra, ao limitar-se ao universo de livros que foram proibidos por uma censura oficial e documentada, mostra “de forma coerente” quais eram os fundamentos da perseguição a obras literárias. “São trabalhos censurados a partir de um ponto de vista formal, com pareceres. Os documentos trazem justificações, e esse material é valioso”, avalia.
Em tempo: no final de seu livro, Sandra faz referência ainda à resistência de editores e de escritores ante as exigências da censura institucionalizada. Érico Verissimo e Jorge Amado, com suas manifestações públicas em repúdio ao regime militar, se destacaram dentro desse movimento – que foi protagonizado ainda por “uma legião de anônimos”, encerra a pesquisadora.

Comissão Rondon deu origem à política indigenista

revista fapesp
http://revistapesquisa.fapesp.br/2012/07/30/comiss%C3%A3o-rondon-deu-origem-%C3%A0-pol%C3%ADtica-indigenista/


Comissão Rondon deu origem à política indigenista | 30.07.2012

Cândido Rondon, chefe da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (CLTEMTA), tinha como missão construir uma linha telegráfica entre Cuiabá e Santo Antonio do Madeira (Porto Velho), em 1912. Durante a incursão pelo interior do Brasil, pesquisadores documentaram – inclusive em vídeos – a cultura indígena, a fauna e a flora. Esse esforço ajudou a institucionalizar a pesquisa científica no Brasil.
Saiba mais na matéria Ciência para criar uma nação.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Impactos de transgênicos e agrotóxicos na saúde

ibase
http://www.canalibase.org.br/impactos-de-transgenicos-e-agrotoxicos-na-saude-publica/


Impactos de transgênicos e agrotóxicos na saúde


Pela primeira vez na história foi realizado um estudo completo e de longo prazo para avaliar o efeito que um transgênico e um agrotóxico podem provocar sobre a saúde pública. Os resultados são alarmantes.
O transgênico testado foi o milho NK603, tolerante à aplicação do herbicida Roundup (característica presente em mais de 80% dos transgênicos alimentícios plantados no mundo), e o agrotóxico avaliado foi o próprio Roundup, o herbicida mais utilizado no planeta – ambos de propriedade da Monsanto. O milho em questão foi autorizado no Brasil em 2008 e está amplamente disseminado nas lavouras e alimentos industrializados, e o Roundup é também largamente utilizado em lavouras brasileiras, sobretudo as transgênicas.
O estudo foi realizado ao longo de 2 anos com 200 ratos de laboratório, nos quais foram avaliados mais de 100 parâmetros. Eles foram alimentados de três maneiras distintas: apenas com milho NK603, com milho NK603 tratado com Roundup e com milho não modificado geneticamente tratado com Roundup. As doses de milho transgênico (a partir de 11%) e de glifosato (0,1 ppb na água) utilizadas na dieta dos animais foram equivalentes àquelas a que está exposta a população norte-americana em sua alimentação cotidiana.
Os resultados revelam uma mortalidade mais alta e frequente quando se consome esses dois produtos, com efeitos hormonais não lineares e relacionados ao sexo. As fêmeas desenvolveram numerosos e significantes tumores mamários, além de problemas hipofisários e renais. Os machos morreram, em sua maioria, de graves deficiências crônicas hepato-renais.
O estudo, realizado pela equipe do professor Gilles-Eric Séralini, da Universidade de Caen, na França, foi publicado em uma das mais importantes revistas científicas internacionais de toxicologia alimentar, a Food and Chemical Toxicology.
Segundo reportagem da AFP, Séralini afirmou que “o primeiro rato macho alimentado com OGM morreu um ano antes do rato indicador (que não se alimentou com OGM), enquanto a primeira fêmea, oito meses antes. No 17º mês foram observados cinco vezes mais machos mortos alimentados com 11% de milho (OGM)”. Os tumores aparecem nos machos até 600 dias antes de surgirem nos ratos indicadores (na pele e nos rins). No caso das fêmeas (tumores nas glândulas mamárias), aparecem, em média, 94 dias antes naquelas alimentadas com transgênicos.
O artigo da Food and Chemical Toxicology mostra imagens de ratos com tumores maiores do que bolas de pingue-pongue. As fotos também podem ser vistas em algumas das reportagens citadas ao final deste texto.
Séralini também explicou à AFP que “com uma pequena dose de Roundup, que corresponde à quantidade que se pode encontrar na Bretanha (norte da França) durante a época em que se espalha este produto, são observados 2,5 vezes mais tumores mamários do que é normal”.
De acordo com Séralini, os efeitos do milho NK603 só haviam sido analisados até agora em períodos de até três meses. No Brasil, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) autoriza o plantio, a comercialização e o consumo de produtos transgênicos com base em estudos de curto prazo, apresentados pelas próprias empresas demandantes do registro.
O pesquisador informou ainda que esta é a primeira vez que o herbicida Roundup foi analisado em longo prazo. Até agora, somente seu princípio ativo (sem seus coadjuvantes) havia sido analisado durante mais de seis meses. Um dado importante sobre esse estudo é que os pesquisadores trabalharam quase que na clandestinidade. Temendo a reação das empresas multinacionais sementeiras, suas mensagens eram criptografadas e não se falava ao telefone sobre o assunto. As sementes de milho, que são patenteadas, foram adquiridas através de uma escola agrícola canadense, plantadas, e o milho colhido foi então “importado” pelo porto francês de Le Havre para a fabricação dos croquetes que seriam servidos aos ratos.
A história e os resultados desse experimento foram descritos em um livro, de autoria do próprio Séralini, que será publicado na França em 26 de setembro sob o título “Tous Cobayes !” (Todos Cobaias!). Simultaneamente, será lançado um documentário, adaptado a partir do livro e dirigido por Jean-Paul Jaud.
Esse estudo coloca um fim à dúvida sobre os riscos que os alimentos transgênicos representam para a saúde da população e revela, de forma chocante, a frouxidão das agências sanitárias e de biossegurança em várias partes do mundo responsáveis pela avaliação e autorização desses produtos.
Referência do artigo:
“Long term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maize”. Food and Chemical Toxicology, Séralini G.E. et al. 2012.