terça-feira, 8 de novembro de 2011

Luta pelo rio Paraguai completa 11 anos de resistência popular


Por Keka Werneck, da Assessoria de Imprensa do Centro Burnier

Para entender essa causa talvez seja preciso “mergulhar” no manancial que, em Guarani, significa "um grande rio". O rio Paraguai foi assim denominado pelos Guaranis e também Kaiowás antes da fundação do país Paraguai. Em alguns trechos de seus 2.621 quilômetros é sinuoso e lento, raso. Em outros, vai cortando em linha reta, profundo, Brasil, Bolívia, Paraguai, Argentina, quatro países, influenciando culturalmente e economicamente por onde passa, inspirando o artista regional, oferecendo o peixe, os mitos, as músicas e trabalho. Lá vai minha chalana, viajando no remanso do Rio Paraguai, canta o mato-grossense Almir Sater. Ouça aqui. Descer as águas do Paraguai, cantando as canções que não se ouve mais, propõe a soprano mato-grossense Tetê Espíndola. Ouça aqui. Defender este manancial da sanha capitalista é a bandeira central do movimento pró Rio Paraguai, encampada pelo Fórum de Luta das Entidades de Cáceres (FLEC). Cáceres respira o rio que passa pela cidade. O Movimento se articulou em 2000, na ocasião em que se discutia a expansão da hidrovia Paraguai-Paraná para grandes navegações. Em 14 de novembro próximo, dia do Rio Paraguai conforme lei estadual, proposta pelo então deputado Gilney Viana (PT), encerra uma agenda comemorativa para marcar essa luta.
No dia 14, o FLEC pretende lançar o comitê da Bacia do Paraguai. Esse comitê deliberativo alia governo e sociedade civil na fiscalização e controle do rio e na tomada de decisões políticas. Esses conselhos constam da Política Nacional de Recursos Hídricos. Ele teria a função de evitar que o rio seja apenas um cartão postal no passado e que sua história seja longa.
“Na época em que a gente se articulou, estava marcada uma audiência pública sobre a hidrovia Paraguai-paraná, mas não houve audiência porque fizemos uma grande manifestação, fechamos a BR-070 e fechamos também o rio, embaixo da ponte Marechal Rondon, com canoas e barcos”, lembra o vereador Alonso Batista dos Santos (PT).
Desde então, a expansão da hidrovia está embargada judicialmente e só poderá ser feita após aprovação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima) de todo o trajeto e não apenas parte. A decisão é do juiz Tourinho neto, do Tribunal Regional Federal (TRF). Cabe recurso.
Porém a expansão da hidrovia está prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso quer dizer que o governo federal está empenhado nisso.
“O projeto original de expansão da hidrovia era agressivo”, destaca Alonso. “Previa navegação por 12 meses e para isso seria necessária uma intervenção muito forte, porque o Pantanal não tem rio profundo e só haveria viabilidade natural por quatro meses no ano. Só que esse projeto, por pressão dos movimentos sociais, já está totalmente modificado e enterrado.”
Outra bandeira de luta do FLEC é contra as Pequenas usinas Hidrelétricas (PCHS). Ao longo do Paraguai, já são mais de 60 em funcionamento. “Que nenhuma outra seja implementada, porque as que estão aí já estão influenciando na dinâmica do rio, na vazante...”
O FLEC denuncia também o assoreamento das margens provocado pelas monoculturas de soja principalmente na região da Chapada dos Parecis. Sedimentos descem rio abaixo comprometendo o manancial de diversas formas. Isso sem falar no excesso de agrotóxicos utilizados nessas extensas lavouras, que também vai parar, em boa parte, nas águas do Paraguai.
Outra preocupação é com a falta de saneamento nas cidades à margem do rio. Em Cáceres, por exemplo, 98% do esgoto é lançado in natura no leito. E isso tem como piorar: em Alto Paraguai, Diamantino, Barra do Bugres e Porto Estrela o índice é de 100%.
“Cáceres tem um histórico de lutas não só na questão ambiental mas também agrária muito forte. Movimento sociais sem-terra e sindicatos estão atentos”, afirma o vereador.


Para o historiador Heitor Queiroz, um dos fundadores do movimento ambiental em Mato Grosso, doutor em Ecologia, o rio Paraguai e Cáceres se fundem, se complementam e o rio traz qualidade de vida para a cidade. Queiroz alerta que a situação ainda não é tão feia quanto a do rio Cuiabá, por exemplo, “onde já não tem mais como a gente chegar na beira do rio, porque as margens estão ocupadas por casas, condomínios e é esgoto para todo lado”.
Segundo Queiroz, que é militante do Instituto de Ecologia e Populações Tradicionais do Pantanal (Eco-pantanal), “Cáceres não virou as costas para o rio Paraguai, do qual as pessoas ainda usufruem, quase todo mundo tem um barco, uma canoa, tem o hábito de ir ao rio, nadar ou pescar. Isso além da beleza cênica. Existe uma convivência mais pacífica, harmoniosa e afetiva com o rio, o que não significa que não tenha problema, tem sim. Também tem esgoto, córrego canalizado, mas a escala disso é muito pequena perto do que aconteceu com o rio Cuiabá na capital do Estado”.
Para a pedagoga Vanda Aparecida dos Santos, militante do Grupo Cultural e Ambiental Raízes, “levantamos a bandeira do rio Paraguai como pantaneiros”. Ela reforça que o rio é de suma importância para a região. “É o pulmão dos riberirinhos”. O Raízes é signatário do FLEC.
Outro lado
Já o engenheiro civil José Carlos Jób , vice-presidente da Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt), tem outra visão, a visão empresarial. Ele concorda que o rio é fundamental para quatro países, para a região de Cáceres e a cidade propriamente, mas acha que é possível navegá-lo com responsabilidade. "A Hidrovia existe desde 1987, o que querem agora é abrir para grandes navegações, que eu defendo em trechos em que a natureza já permite, como de Corumbá para baixo, ali não têm muitas curvas para desfazer e tem profundidade...”
Ele também se diz contra fechar o rio acima de Santo Antônio do Leverger. Ambientalistas entendem que ali deveria servir apenas aos ribeirinhos. Nada de pesca esportiva, turística ou empresarial. “Se fizerem isso, vão travar tudo”, reclama Jób.
Ele afirma que a Fiemt, a Famato e a Aprosoja têm um projeto, o Ação Verde, que vai reconstituir as margens do rio. Perguntado sobre quem contribui para o desbarrancamento e assoreamento, ele diz que é a própria natureza. “Esse negócio de falar que isso é culpa das grandes navegações, das lavouras, isso é mentira”.
Quanto aos agrotóxicos, ele se mostra radicalmente contra. “Temos que acabar com isso de uma maneira determinante. O rio é fonte de vida. Nosso filhos, nossos netos, vão depender dele. É de suma importância para região e quatro países”.
Quanto às PCHs, ele é favorável, “desde que não afete o ecossistema”. Perguntado se isso é possível, ele afirma que sim. “A engenharia conhece a forma de fazer isso. Um bom projeto não traz deficiência para o sistema”.

http://www.brasil.gov.br/imagens/sobre/meio-ambiente/biomas/rio-paraguai/image_preview

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